Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor,
Diz Ana Caetana de Jesus, moça solteira, moradora no distrito de Parnaíba, que ela suplicante é senhora e possuidora do sítio que herdou do seu pai, Luís Mendes Vieira, como consta dos documentos juntos, e, porque Antônio José de Miranda, do mesmo distrito, por a suplicante ser mulher a tem o suplicado a violentado, entrado nas suas terras, querendo-lhe as tomá-las à valentona, debaixo do respeito do capitão-mor daquela vila, genro do suplicado, de sorte que a suplicante com a justiça daquela vila não tem partido algum. E por esta causa se ver obrigada a molestar a Vossa Excelência, rogando-lhe que, por sua bondade, seja servido mandar que o suplicado se abstenha de fazer roça nas terras da suplicante e que apresente os títulos por donde as quer tomar da suplicante. Portanto, pede a Vossa Excelência quando seja servido mandar informar a este respeito que seja o sargento-mor da vila ou reverendo vigário. E, sem embargo de tudo, Vossa Excelência mandará o que for servido. Espera receber mercê. […]
Ilustríssimo Senhor Sargento-mor José da Silva de Carvalho, É constante o vexame que sofre a minha freguesa, Dona Ana Caetana de Jesus, com o vizinho Ajudante Antônio José de Miranda, morador hoje entre as terras de seu sítio, em um pequeno campestre ou tapera do falecido Lourenço Pinheiro, pois este, ali vivendo em vida de Luís Montes Vieira, pai da mesma, se conservava em uns pequenos limites entre os marcos de medição das terras do mesmo Luís Montes e, vendendo ao coronel falecido, Policarpo Joaquim de Oliveira, já em sua vida quis exceder e prolongar a possessão daquela dita tapera. E agora o ajudante Antônio José de Miranda, que arrematou aquele lugar, consta-me ter entrado e pretendes entrar em grande parte das terras, como melhor viram os vizinhos e se pode ver pelos títulos. À vista do que, tem razão a mesma Dona Ana Caetana de procurar os meios de se livrar destes vexames e prejuízos. Ela é uma senhora muito de bem, órfã e desamparada, que tem vivido com toda honra, e só cuidando com seu trabalho em manter a sua pobre casa. Tirei toda satisfação de que Vossa Mercê, averiguados os papéis e [concertadas] as partes, todo se esforce em compor esta dúvida e dê fim a estes vexames pelo amparo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde. Deus lhe guarde felizes anos. Parnaíba, 27 de outubro de 1816. De Vossa Mercê, muito venerador e obrigado criado, João Gonçalves Lima.
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor,
Diz Dona Antônia de Almeida, da vila de Sorocaba, mulher do capitão Antônio de Almeida Leite Penteado, que em companhia dele tem a suplicante vivido sofrendo pelo decurso de quinze anos a pouca fidelidade que o seu suplicado marido sempre praticou a seu respeito, pretendendo a suplicante, neste contínuo sacrifício que fazia, conservar a união que deve haver entre os cônjuges e na esperança de que os anos o fizessem conhecer seus erros e mudar de costumes. Não são, Excelentíssimo Senhor, meras suspeitas nem leviandades feminis em que consiste esses sofrimentos da suplicante. São fatos públicos da vida do suplicado; são crimes que se lhe tem declarado pelas Justiças em consequência de raptos de filhas alheias que ele tem feito; são as perseguições das partes ofendidas com as ordens do predecessor de Vossa Excelência, que tudo tem redundado em prejuízo do seu casado. Entretanto, não sendo bastantes a taciturnidade da suplicante, que nunca articulou estas razões por não querer ser [a piora] na rotura que principia a haver entre eles, o suplicado, querendo recolher em companhia da suplicante a causa de tantas desavenças para a suplicante ser uma como serva da sua rival, ao que, não querendo a suplicante anuir para se não fazer cúmplice daquela maldade que juntamente devia macular sua honra, e, tendo por isso caído na indignação do suplicado, tem ele pretendido divórcio com a suplicante, habitando em casas de parentes. E, tendo dado um pequeno princípio a esta divisão, passa a ultrajar a suplicante com cartas torpíssimas, escrevendo-lhe pelas janelas palavras impudicas e, sobretudo, tirando-lhe violentamente os bens que a suplicante tem em si e, presentemente, uma escrava e seus filhos que, com o seu trabalho, ajuda a suplicante a resistir aqueles lances da indigência em que vive pelas razões ponderadas, sem para isto usar dos meios legais, pretendendo deixar a suplicante em última miséria, termos em que a suplicante recorre à imparcial mão de Vossa Excelência. Pede seja servido autorizar, por seu respeitável despacho, a qualquer pessoa do comando da dita vila que a Vossa Excelência parecer para que, intimando o mesmo despacho, obrigue-o a imediatamente recolher a escrava, filhos e todos os bens tirados por violência, até que sejam partilhados na conformidade da lei, outrossim [auxiliar] a suplicante em todas as ocasiões que o suplicado se propuser a ultrajá-la, tudo sob pena de ser preso. E, remetido a Vossa Excelência para conhecer do seus [exercícios], espera receber mercê.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Custódia Maria Rodrigues que, sendo moradora na vila de Sorocaba, hoje se acha na vila de Lages para onde foi induzida e conduzida por uma sua tia. E, porque se casou com Francisco Soares e depois, seguindo para o Continente do Sul, deixando a suplicante e três filhos há uns poucos de anos, sem mais dela fazer caso e menos socorrer com alguma assistência, passando as maiores necessidades, em cujos termos se vê a suplicante obrigada a querer voltar para Sorocaba e companhia de sua mãe. E como não pode conseguir sem Licença de Vossa Excelência, por isso pede a Vossa Excelência seja servido mandar que nas Guardas se deixe passar a suplicante com suas crianças sem impedimento algum, como também alguns animais do seu transporte, no que receberá mercê.
Senhor Juiz Ordinário, Diz Custódia Maria Rodrigues, casada e moradora desta vila, que ela, para poder requerer ao Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor General desta capitania, despacha para transportar-se à casa de seus pais na vila de Sorocaba, por viver nesta vila desamparada e deixada de seu marido e não ter com que sustentar seus tenros filhos, precisa que Vossa Mercê lhe mande passar sua Carta de Legitimação e Polícia, não só para a suplicante, como para os ditos seus filhos. Pede a Vossa Mercê seja servido assim o mandar. Espera receber mercê.
Como pede. Vila de Lages, 6 de dezembro de 1801. Borges.
João Antônio Borges, cidadão pela lei, Juiz Ordinário nesta vila de Lages e seu termo, por bem da Ordem de Sua Alteza Real, que Deus Guarde etcetera. Faço saber que desta vila parte a sua dependência Custódia Maria Rodriguez para a vila de Sorocaba, comarca da cidade de São Paulo. Estatura ordinária, corpo grosso, cor de china, cabelos grossos e corredios, testa afunilada para cima e, na mesma testa, no lado esquerdo, com um sinal de natureza, olhos redondos, tem dois dentes podres, a saber, um de cada lado, boca pequena. E tem de idade 28 anos, mais ou menos, e leva consigo três filhos: um de nome Américo que tem de idade 6 anos, trigueiro, olhos redondos e pretos, testa larga, cabelos pretos e corredios, boca pequena, cor trigueira, boa dentadura, a saber os cabelos curtos; outro dito de nome Atanagildo que tem de idade 9 anos mais ou menos, cor clara, cabelos corredios e acastanhados, olhos redondos meio esbranquiçados, testa comprida para cima, e tem um redemoinho na [**] no cabelo; outro dito filho de nome [Breitão] que tem de idade três anos, mais ou menos, cor fusca, grosso corpo, olhos pardos, testa grande, cabelos acastanhados e corredios, dentes [ruins]. E, para que se lhe não [**] embaraço algum remandei passar o presente que vai por mim somente assinado. Vila de Lages, 11 de novembro de 1801. E eu, Joaquim José da Silva, escrivão que o escrevi. João Antônio Borges.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Dizem Escolástica Francisca, Maria Francisca, Leonor de Jesus, todas viúvas da vila de Itú, que, indo-se dar em um quilombo no distrito da vila de Sorocaba, lhes vieram duas escravas com suas pequenas crias, das quais, já uma se acha morta e as outras enfermas. Porém, com total infelicidade das pobres suplicantes, que se acham nos termos de lhe serem rematadas só para pagar a [**] da despesa que lhes fizeram os soldados da [...] [da]quela vila de Sorocaba, o que se deixa ver da conta inclusa, onde se vê pagar-se a cada soldado a cem réis por dia, além da farinha, feijão, toucinho, sal, pólvora e chumbo. Excelentíssimo Senhor, os soldados da Praça civilizados somente ganham a sessenta réis por dia, onde se acham homens brancos e de todo o cuidado, e não percebem mais que uma quarta de farinha cada dez dias. Além disto, Senhor Excelentíssimo, acresce a conta com erro claro na conta dos cabos, que, a duzentos réis por dia, se lhe pede na soma mais dois mil réis. E, nesta figura, só o braço de Vossa Excelência poderá vedar tão vicioso excesso, o que o capitão-mor da vila de Sorocaba não quer providenciar senão com uma aspereza oprimir as suplicantes a que se rematem já e já as Escravas para seu embolso, ou dos que foram na diligência. Pedem à Vossa Excelência seja servido, atentas às razões expostas, pelo amor de Deus, advertir o vexame em que as suplicantes estão postas. E, com as mãos levantadas, esperam uma saudável providência. Esperam receber mercê.
Informe o capitão-mor com individuação e clareza. São Paulo, a 31 de março de 1787.
O capitão-mor mandará liquidar a conta do que deve pagar-se aos soldados o mesmo que aos pagos se costuma dar por [**] entrando em rateio as escravas que, em razão da quela diligência, vieram livremente para casa de seus senhores, como também o que renderem em leilão os móveis que existirem naquele quilombo. São Paulo, a 4 de maio de 1787.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Feliciana Coelha, crioula forra, do distrito de Meia Ponte, que, nascendo ela escrava do Sargento-mor Jacinto Coelho da Silva, casado com Ana Ribeiro de Toledo, estes a libertaram em 1750. E, falecido o dito Jacinto Coelho, casou a dita Ana Ribeira, sua viúva, com Bento José Pires d'Ávila, o qual, vendo no casal a suplicante liberta e com 5 filhos, já nascidos de ventres livres, fingiu ir fazer um sítio ou [melhor] morada fora dali. E, deixando em casa a dita sua mulher com promessa de voltar a buscá-la quando estivesse bem arranchado, se transportou para o Rio das Velhas com alguns escravos do casal e com a suplicante inocente e seus 5 filhos, que todos paulatinamente vendeu e, por fim, vendeu a suplicante, a qual por meio da proteção que lá achou, se valeu de Sua Excelência que, bem informado, mandou tirar a suplicante da violenta escravidão e aos seus filhos de que houve notícia. E só lhe ficaram em escravidão longe um de nome Cipriano, que a suplicante houve a si por [termos] judiciais em que mostrou a sua liberdade que obtivera de tenra idade de 7 ou 8 anos, pouco mais ou menos, como inda mostra por 4 respectivos documentos em números 1. 2. 3. e 4º. E, na cidade de São Paulo, outro filho, de nome Felizardo, pardo, que ainda hoje está em poder da viúva de Furtuoso Furquim de Campos, ou da mãe do Padre José Furtuoso, ou de outros quaisquer terceiros a quem o hajam vendido ou traspassado já por estes ditos motivos, e antes esteve em São João de Atibaia. E, porque a suplicante se ajoelhou aos pés de Vossa Excelência, a quem pediu amparo e favor no sítio do Papuanzal (onde Vossa Excelência passou e a suplicante habita) e Vossa Excelência se dignou dirigir à suplicante que lhe mostrasse documentos próprios e respectivos, para que com eles intercedesse e impetrasse ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Governador e Capitão-general da cidade de São Paulo a fim de fazer tirar e remir da violenta escravidão em que se acha o dito Felizardo, filho da suplicante, novamente prostrada aos pés de Vossa Excelência implora e roga seu incomparável favor e esmola para este efeito, porque a suplicante firmemente crê que só o amparo de Vossa Excelência pode fazer que o dito filho lhe venha da capitania de São Paulo para sua casa e companhia, como espera nesta grande esmola de Vossa Excelência, de quem [...].
No arraial do córrego de Jaraguá, para onde parto, deferirei ao requerimento da suplicante. Vila Boa, 25 de março de 1805.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Gertrudes Luiza, mulher de Manoel Joaquim Gonçalves, moradores no bairro de Tremembé, que, neste mês passado de setembro, foi à casa da suplicante o alferes Francisco de Paula Barbosa prender ao marido da suplicante. E dando-lhe voz de preso à ordem de Vossa Excelência, logo se sujeitou ao respeitável nome de Vossa Excelência. E só porque o marido da suplicante disse ao dito alferes que queria chegar de passagem por casa de um vizinho para este avisar a suplicante que seu marido tinha vindo preso para esta cidade, lhe mandou o dito alferes dar com um pau por um negro de nome Benedito Pires, soldado de ordenança. E, ao depois de lhe mandar dar, lhe disse que era em pagamento de uma carta que o marido da suplicante lhe escrevera, procurando meios de vingança com o respeitável nome de Vossa Excelência. E, com a cabeça aberta e lavada em sangue, o remeteu preso a esta cidade ao capitão-comandante daquele bairro, Francisco Antônio de Miranda. E, vendo o mesmo capitão o miserável estado do marido da suplicante, o tornou a remeter preso e largá-lo ao pé de sua casa, para que Vossa Excelência não visse o miserável estado a que seu marido estava reduzido. É tanta verdade isto que a suplicada alega que o capitão de milícias do 2º regimento de cavalaria, Francisco Mariano da Cunha, vizinho da suplicante, foi o que por esmola assistiu com remédios para se curar o marido da suplicante. E, ao depois de alguns dias, sarando o marido da suplicante, tornou o dito capitão a mandar buscar preso e o remeteu a Vossa Excelência. E Vossa Excelência foi servido mandá-lo preso para a vila de Santos, aonde se acha trabalhando em galés. Senhor Excelentíssimo, a prisão foi causada de um requerimento que uma sobrinha do marido da suplicante fez a Vossa Excelência, dizendo que lhe extraviara um cavalo. E o capitão-comandante, só por informação de um soldado dos [**] de nome Aleixo da Cruz, inimigo do marido da suplicante, fez certo na respeitável presença de Vossa Excelência o dito extravio. E, como a suplicante tem no paternal amparo de Vossa Excelência o remédio de suas aflições, por isso pede a Vossa Excelência por piedade e esmola queira mandar soltar o marido da suplicante para o amparo da suplicante e seus filhos. Espera receber mercê.
Informe o capitão Francisco Antônio de Miranda sobre a conduta do suplicante. São Paulo, 3 de novembro de 1819.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, Em cumprimento do respeitável despacho de Vossa Excelência proferido no requerimento da suplicante, informo a Vossa Excelência que o marido da mesma suplicante não tem mostrado boa conduta, por já ter sido preso pela Justiça por extraviar o alheio. E, perante mim, ficou convencido e obrigado a pagar um cavalo pertencente a Gertrudes Maria, sua sobrinha, o que não cumpriu. É certo que a suplicante e seu dito marido são pobres e onerados de filhos pequenos.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Gertrudes Maria de Jesus, da vila de Jundiaí, que, estando ela residindo na vila de Santos, falou-lhe Francisco Costa Álvares, daquela vila de Jundiaí, para que fosse para sua casa servi-lo. Com efeito, indo a suplicante para aquela casa, [esteve] servindo ao dito Costa três anos e, pretendendo sair, foi prontamente pago seu serviço. E, instada por Manoel Martins, primo do referido Costa, para que não saísse, a fim de servi-lo, por o préstimo da suplicante, esta aceitou aquela convenção por ver a generosidade do primo, deixando-se ali ficar, servindo ao dito Martins como sua escrava, tanto no serviço de casa, como em lavar e engomar a sua roupa, com o interesse de que este lhe premiasse a seu trabalho. E assim esteve o tempo de ano e meio. E, agora, pretendendo a suplicante sair do poder do mesmo Martins, por se ver indigente totalmente, pois o mesmo em todo este tempo não lhe deu coisa alguma, sendo-lhe [necessário], para vestir alguma roupa, nas poucas horas que tinha de descanso, trabalhar para adquirir com que pudesse fazer, e, dando parte ao dito da sua pretensão, este lhe respondeu que podia sair e que ele nada lhe pagava, pois que a suplicante se ali ficou não foi a seu peditório, sendo muito pelo contrário, como tem referido. E, porque a suplicante é muito pobre e se acha destituída tanto de roupas como de tudo o mais necessário, pois, com a pensão que tinha de cuidar na casa daquele suplicando, não tinha tempo algum para trabalhar para si, e o suplicado é de má condição e mesmo faz tenção de não pagar a miserável suplicante, pois parece que não há lei que determine a uns se servirem dos outros sem lhe remunerarem o seu trabalho, este motivo porque a suplicante, lembrada que Vossa Excelência é pai dos pobres, com toda a submissão se recorre e pede a Vossa Excelência, pelo amor de Deus, e com os olhos [n]o mesmo Senhor, seja servido, informando-se (sendo do seu agrado) - não só do capitão-mor daquela vila, como mesmo do dito Francisco da Costa - sobre a verdade do que a suplicante alega, mandar que o suplicado lhe pague todo o tempo que a suplicante o serviu, que foi ano e meio a preço de mil e seiscentos réis mensais, atento ao serviço que a mesma o fez, debaixo das penas que a Vossa Excelência parecerem justas impor pela contravenção, pois de outra sorte fica a mesma perdendo o seu trabalho, por ser uma miserável e não ter meios para contender com o mesmo judicialmente. Por cuja esmola receberá mercê.
Informe o capitão-mor, averiguando com a exatidão que costuma. São Paulo, 8 de maio de 1819.
Recomendado à exatidão do capitão-mor, o qual, no caso de não poder acomodar a suplicante com o suplicado, remeta ambos à minha presença. São Paulo, 15 de junho de 1819.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Leonor de Camargo, da vila de São Carlos, que, fazendo casar uma sua filha chamada Maria com Manoel Bruno, da mesma vila e, querendo o mesmo tirar e levar sua mulher para diverso lugar, convencionou a suplicante com ele, suplicado, porque este assim exigiu dar-lhe umas terras que possuía. E, com efeito, lhas deu por escritura pública e sem consenso dos mais herdeiros, só por não querer que a dita sua filha se separasse de sua companhia. Assim que o suplicado ficou senhor das terras, intentou vendê-las a Joaquim Pedroso de Morais por uma insignificante quantia. E, sabendo a suplicante disto, e querendo remediar um tal desconcerto, passou a falar ao suplicado, seu genro, procurando desviá-lo daquele indiscreto procedimento. Mas ele e a própria filha da suplicante bem longe de atenderem a um tão justo como maternal parecer, lhe puseram as mãos violentas, dando-lhe pancadas. Queixando-se a suplicante ao Juiz Ordinário respectivo, este mandou prender o suplicado e houve como destratada a escritura das terras, porém, assim mesmo, ele as vendeu ao sobredito Morais. E, sendo a suplicante citada por este, pediu vista e logo requereu sobre aquele objeto ao Doutor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor da comarca de Itú, o qual, depois de informado pelo referido juiz, mandou que este fizesse entregar à suplicante as mencionadas terras, atenta à ingratidão dos suplicados genro e filha. Não obstante isto, foi a demanda prosseguindo seus termos contra a vontade da suplicante, que, vendo-se oprimida, requereu a Vossa Excelência, que houve por bem mandar que o Juiz Ordinário cumprisse o sobredito despacho do ouvidor. E neste caso passou aquele Morais a vender as terras em controvérsia ao Tenente Coronel Antônio de Cerqueira César, do mesmo terreno, o qual pretende tirá-las por sesmaria, não obstante acharem-se litigiosos. E procurando a suplicante, para sua defesa, o venerando despacho de Vossa Excelência, responde o juiz que remetera à sala deste governo. Em cujos termos recorre a suplicante e pede a Vossa Excelência seja servido mandar-lhe entregar aquele mencionado despacho, caso esteja na secretária deste respeitável governo. E, quando não, determinar Vossa Excelência que o mesmo juiz o entregue à suplicante, pena de se lhe haver por estranho o procedimento. Espera receber mercê.
Informe o Juiz Ordinário respectivo. São Paulo, 3 de agosto de 1820.
Remetido ao Senhor Coronel Secretário para o efeito que deva o ter, visto mostrar-se que a pretensão da suplicante é opor-se à sesmaria pretendida pelo suplicado. São Paulo, 18 de outubro de 1820.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Dizem Escolástica Francisca, Maria Francisca, Leonor de Jesus, todas viúvas da vila de Itu, que, indo-se dar em um quilombo no distrito da vila de Sorocaba, lhes vieram duas escravas com suas pequenas crias, das quais, já uma se acha morta e as outras enfermas. Porém, com total infelicidade das pobres suplicantes, que se acham nos termos de lhe serem rematadas só para pagar a [**] da despesa que lhes fizeram os soldados da [...] [da]quela vila de Sorocaba, o que se deixa ver da conta inclusa, onde se vê pagar-se a cada soldado a cem réis por dia, além da farinha, feijão, toucinho, sal, pólvora e chumbo. Excelentíssimo Senhor, os soldados da Praça civilizados somente ganham a sessenta réis por dia, onde se acham homens brancos e de todo o cuidado, e não percebem mais que uma quarta de farinha cada dez dias. Além disto, Senhor Excelentíssimo, acresce a conta com erro claro na conta dos cabos, que, a duzentos réis por dia, se lhe pede na soma mais dois mil réis. E, nesta figura, só o braço de Vossa Excelência poderá vedar tão vicioso excesso, o que o capitão-mor da vila de Sorocaba não quer providenciar senão com uma aspereza oprimir as suplicantes a que se rematem já e já as Escravas para seu embolso, ou dos que foram na diligência. Pedem à Vossa Excelência seja servido, atentas às razões expostas, pelo amor de Deus, advertir o vexame em que as suplicantes estão postas. E, com as mãos levantadas, esperam uma saudável providência. Esperam receber mercê.
Informe o capitão-mor com individuação e clareza. São Paulo, a 31 de março de 1787.
O capitão-mor mandará liquidar a conta do que deve pagar-se aos soldados o mesmo que aos pagos se costuma dar por [**] entrando em rateio as escravas que, em razão da quela diligência, vieram livremente para casa de seus senhores, como também o que renderem em leilão os móveis que existirem naquele quilombo. São Paulo, a 4 de maio de 1787.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, Dizem Escolástica Francisca, Maria Francisca, Leonor de Jesus, todas viúvas da vila de Itu, que, indo-se dar em um quilombo no distrito da vila de Sorocaba, lhes vieram duas escravas com suas pequenas crias, das quais, já uma se acha morta e as outras enfermas. Porém, com total infelicidade das pobres suplicantes, que se acham nos termos de lhe serem rematadas só para pagar a [**] da despesa que lhes fizeram os soldados da [...] [da]quela vila de Sorocaba, o que se deixa ver da conta inclusa, onde se vê pagar-se a cada soldado a cem réis por dia, além da farinha, feijão, toucinho, sal, pólvora e chumbo. Excelentíssimo Senhor, os soldados da Praça civilizados somente ganham a sessenta réis por dia, onde se acham homens brancos e de todo o cuidado, e não percebem mais que uma quarta de farinha cada dez dias. Além disto, Senhor Excelentíssimo, acresce a conta com erro claro na conta dos cabos, que, a duzentos réis por dia, se lhe pede na soma mais dois mil réis. E, nesta figura, só o braço de Vossa Excelência poderá vedar tão vicioso excesso, o que o capitão-mor da vila de Sorocaba não quer providenciar senão com uma aspereza oprimir as suplicantes a que se rematem já e já as Escravas para seu embolso, ou dos que foram na diligência. Pedem à Vossa Excelência seja servido, atentas às razões expostas, pelo amor de Deus, advertir o vexame em que as suplicantes estão postas. E, com as mãos levantadas, esperam uma saudável providência. Esperam receber mercê.
Informe o capitão-mor com individuação e clareza. São Paulo, a 31 de março de 1787.
O capitão-mor mandará liquidar a conta do que deve pagar-se aos soldados o mesmo que aos pagos se costuma dar por [**] entrando em rateio as escravas que, em razão da quela diligência, vieram livremente para casa de seus senhores, como também o que renderem em leilão os móveis que existirem naquele quilombo. São Paulo, a 4 de maio de 1787.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Maria de Brito, parda forra da freguesia de Cotia, que, achando-se uma sua sobrinha de nome Antônia menor na casa de Luzia Leme de Campos, esta deu quarenta açoites na dita sobrinha da suplicante, tendo sete anos de idade, forra e incapaz de cometer culpa, mandou chamar a suplicante e esta por ter sido criada na casa da suplicada obedeceu ao seu chamado. E, chegando ao sítio daquele, ignorando o fato dos açoites e para o que era chamada, vendo a inocente tão mal tratada, perguntou sem alteração por qual razão a tinham castigado tão cruelmente, sendo ela forra e de tenra idade. E disto resultou enfurecer-se o capitão Bento Soares, filho da suplicada, e entrou a espancar a suplicante, maltratando-a e fazendo-lhe feridas e várias nódoas e pisaduras em seu corpo. E pretendendo ela defender-se, para evitar o maior perigo, não o pôde fazer em razão da fraqueza do sexo e ser o suplicado arrogante e prezado de valentão. E porque a suplicante, no mesmo ato, protestou queixar-se a Vossa Excelência daquela insolência, o suplicado capitão, para a consternar e atemorizar, chamou vários soldados da sua companhia para a conduzirem presa. E, finalmente, a andou em caminho por espias para que no caso da suplicante [**] [**] Vossa Excelência a prendessem e a não deixassem continuar em seu destino. E ela, por não poder dar um passo por ficar mal tratada das pancadas, não veio logo, e só agora depois de convalescida se vem prostrar aos pés de Vossa Excelência. E, a pondo a insolência com que a suplicada e o dito seu filho a castigaram, e a sobredita inocente, [...] por causa de seu [**] e absoluto [**], pretendendo a suplicada lhe [**] [**] fosse cativa, [**] agora lhe estão protestando castigos e vinganças, ameaçando-a com prisões. E como a suplicante não cometeu culpa, e nem os suplicados tem nela domínio algum, mas por soberbos e absolutos naquela freguesia lhe poderão fazer maior vexamento, a suplicante, além de ser pobre, também como mulher miserável não pode acautelar qualquer opressão que os ditos lhe causem. Portanto, pede a Vossa Excelência se digne mandar que a suplicada e o dito seu filho assinem um termo de não mais se entenderem com a suplicante daqui em diante, e pelo fato das pancadas dadas na suplicante e na sua dita sobrinha, castigadas, Vossa Excelência, por seu justo arbítrio, atendendo ao estado livre de uma e de outra, aos [desputimos] daqueles e a ser a suplicante uma pobre, e por isso impossibilitada para os denunciar à Justiça, se amparando só na piedade e rectidão de Vossa Excelência seu sofrego que humildemente implora. Espera receber mercê.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Maria de Siqueira Delgada, viúva de Bernardo Dias, moradora no termo da vila de Jundiaí, que ela tem por vizinho imediato um Lourenço Martins, da mesma vila, com quem se contratou acautelarem anualmente qualquer incêndio casual que pudesse resultar da queima das roças da suplicante. E, em consequência, tendo ela de queimar uma neste presente ano e, desejando não prejudicar ao suplicado seu vizinho nem a pessoa alguma, o convocou para, na conformidade de sua convenção, fazerem o proporcionado aceiro que vedasse qualquer prejudicial incêndio. Assim, o fizeram de mão comum, porém, subindo o fogo ao alto de um grande tronco, dele passou, impelido do vento. E, comunicando-se a outras matérias combustíveis, foi queimar a casa do suplicado, que é seu vizinho e genro, apesar de toda a prevenção e de haverem muitas pessoas em circunferência e por cima da mesma casa, sem que jamais pudesse atalhar o fogo. Já se vê, Excelentíssimo Senhor, que da parte da suplicante não interveio a menor maldade, porém acontece que o suplicado, sendo um homem do cérebro esquentado, sem admitir razões tão convincentes, foi representar ao juiz os deduzidos fatos e, ali, com a sua autoridade, obrigou a suplicante a passar ao suplicado um crédito da quantia de 64.000 réis, cuja obrigação ficou em mãos do mesmo juiz porque é credor do supliciado. De sorte que, sabendo aquele magistrado que a suplicante vinha representar à Vossa Excelência aquela injustiça, respondeu que como ele é quem há de informar, fiava isso por sua conta. Eis aqui pois, Excelentíssimo Senhor, o como são vexados os vassalos de Sua Majestade e amantes súditos de Vossa Excelência e, por isso, recorre a suplicante e, com as mãos erguidas ao céu, pede a Vossa Excelência seja servido livrá-la de semelhante opressão, mandando restituir-lhe o seu crédito extorquido pelo modo que se expõem. E que, quando haja direito de pagar a suplicante alguma quantia ao suplicado, seja o que for justo e não a exorbitante acima quantia daquele escandaloso crédito. Espera receber mercê.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Por infelicidade minha, a rogos de um irmão do suplicante, casei a minha filha, Ana Francisca de Andrade, com o mesmo para tanto padecer. O falecido meu marido viveu enfermo antes da sua morte mais de três anos, o que causou grandes despesas sem lucro, e perdas, de sorte que antes de morrer já se viu bastantemente vexado por dívidas que devia o casal que excedem a vinte mil cruzados, o que é notório pelos credores que existem, e só o suplicante, com o seu demasiado orgulho e péssimo gênio, se atreve e pretende contradizer esta verdade. O referido José Joaquim Monteiro, de donde nasce por amolação que tem a Antônio Vaz Pinto estas queixas por parte do suplicante, devia ao meu casal setecentos mil réis. Jamais os quis pagar, dilatando anos e ultimamente pretendeu desonerar-se da solução com demandas. Deste fato resultou pedir eu à mulher de meu primo João de Moura Leite quisesse interceder a seu compadre e padrasto Antônio Vaz Pinto quisesse tomar a seu cargo a cobrança da dita dívida, que, aceitando, cuidou nela como meu procurador. Ultimamente, pediu o capitão Joaquim José Pinto pela pessoa do doutor José Arouche da parte de seu irmão [dito] padre dois anos de espera àquele meu procurador que, conhecendo a minha nímia necessidade, e que não podia dar a pretendida espera, para o fazer, como fez, em satisfação dos empenhos, pediu sobre si ao capitão Antônio Francisco Baruel a mesma quantia emprestada a juros, [obrigando-se] o sobredito padre aos mesmos, por ser a sua dívida sem juros. E dela se utilizou dela o meu casal, pagando ao capitão-mor Manoel de Oliveira Cardoso, ao capitão Manoel Antônio, à Ana Pedroza e a outros mais credores do mesmo, como farei certo. Ficando a cobrança da mencionada dívida destinada para pagamento de quem assistiu com o dinheiro e já não pertencia ao dito meu casal. Meu marido, em sua vida, mandou com segurança de penhores tomar a juros no cofre por João Francisco Guimarães duzentos e tantos mil réis. Depois da sua morte, tomei eu no mesmo cofre cento e tantos mil réis para pagar dívidas do casal e, tendo vencidos estes principais de juros quase cem mil réis, considerando estar vexada para pagar a outros credores e com pouca esperança de poder remir os penhores, querendo reservar alguns deles, pedi a Antônio Vaz Pinto que me procurasse dinheiro para pagar o que o meu casal devia no cofre e que se venderiam os penhores para pagamento de quem emprestasse o dinheiro. Assim o fez, dando-me o dinheiro com o qual mandei pagar o que se devia no cofre. [...] Tenho respondido a Vossa Excelência com verdade, que mandara o que for servido. Parnaíba, 7 de julho de 1786. Rita Antônia da Silva Serra.
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor, Diz Rita Maria de Cássia, moradora desta cidade ao pé da cadeia, que ela suplicante tem por sua vizinha Joaquina, mulher de Antônio Manoel Pereira. Esta, no dia doze do corrente, de caso pensado [disputara] com a suplicante, só afim de macular a suplicante, e tudo isto motivado de uma grande inveja de uma venda que a suplicante possui. E, finalmente, procurando-lhe todos os meios de lhe fazer mal, no dia onze do corrente, por ir um soldado matar um boi no seu quintal para ir a carne para os Quartéis, logo, imediatamente, teve a constância de mandar dar parte à Justiça, onde lhe foram tomar conhecimento, onde a suplicante saiu condenada em 6.000 réis. Não sendo já a primeira vez e dizendo que pretende [atrasá-la de língua] e o marido estando por tudo isto. Excelentíssimo Senhor, a mulher do suplicando é mesmo acostumada a ser perturbadora da paz, porquanto há tempo que tinha uma pobre preta, de nome Rita, que tinha por sua vizinha, entraram estes pelo quintal e quase a mataram, que logo daí a pouco tempo a morrera. E, tendo esta uma filha de nome Eva, esta o querendo criminar, não foi atendida porque o suplicado já tinha subornado a Justiça. E tudo isto, Excelentíssimo Senhor, pode se informar do cirurgião-mor Joaquim Teobaldo Machado e da dita Eva porque o Cirurgião, em razão de ser quem curou a mãe desta e, por ser público e notório nesta cidade. E o marido, pronto para fazer estes honrosos delitos, e de mais prometendo que lhe há de fazer o mesmo que fez à dita Rita preta, e como a suplicante é uma pobre mulher viúva sem pai nem mãe, Vossa Excelência, como pai dos pobres, pondo os olhos em Deus, seja servido mandar que depois de informado da verdade dar as providências que Vossa Excelência costuma fazer aos malfeitores. Portanto, pede a Vossa Excelência se digne deferir a suplicante com a reta justiça. Receberá mercê.
Averigue e informe o Tenente Coronel Ajudante de Ordens de Semana. São Paulo, 14 de outubro de 1819.
A providencia que dou (depois de bem informado) é recomendar à suplicante que seja mais acautelada e comedida no seu procedimento, [**] atenderei ao [**] seus vizinhos, me representaram e requereram. São Paulo, 15 de outubro de 1819.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Diz Ana Rosa Pereira, de nação Angola, escrava de Antônio Ribeiro da Fonseca, que o dito seu senhor lhe passou a carta de corte, que junto oferece pelo tempo de quatro anos para dentro deles a suplicanta reinteirar a quantia que consta de mesmo corte. E recebeu logo a conta de vinte e oito oitavas e um quarto, como consta de recibo nas contas da mesma, e, indo a suplicanta tratar da sua vida para lhe pagar no fim de sete meses, a mandou buscar outra vez ao cativeiro, com esta servindo dois anos como cativa. Tomando-lhe na ocasião as criações que tinha, como eram capados, galinhas e seus sabões e seu milho plantado que tudo isto eram efeitos para a sua liberdade e tinha recebido mais catorze oitavas, que tudo faz a conta de quarenta e dois. E como a suplicante é de maior idade e não tem com que corra litígio de justiça recorre [o benigno] amparo de Vossa Excelência para que seja servido mandar-se informar desta verdade e, sendo certo fazer com que se lhe passe a carta de alforria, fazendo-se a conta as quarenta e duas oitavas ao serviço de tempo que lhe está servindo, senão ficará perdendo o dinheiro que deu e cativa toda a vida.
Pede [ao benigno] amparo de vossa excelência assim o mandar por seu venerando despacho. Espera receber mercê.
Digo eu, Antônio Ribeiro da Fonseca, e minha mulher, Maria Nunes Folgada, que é verdade que entre os bens que possuímos é bem, assim, uma negra por nome Ana, de nação Angola, cuja negra [acertamos] muito de nossas livres vontades, na quantia de cento e vinte oitavas de ouro por tempo de quatro anos que nos fora pagamento todos os seis meses. O que tocar a cada um pagamento e, acabando de satisfazer dentro no dito tempo acima declarado, lhe passássemos sua carta [de] forra. E, não os fazendo no tempo determinado, tudo o que tiver dado me ficará, digo, [no]s ficará para os jornais, e a poderemos puxar ao cativeiro, e, t[e]ndo dado inteiro cumprimento, lhe passaremos sua carta como fica dito, e tanto nós como nossos herdeiros lha passaremos, e nos obrigamos por nossas pessoas a dar cumprimento. E assim nos passou um [cré]dito da mesma quantia e por verdade lhe passamos este corte, por um feito, e por ambos assinada. Santa Bárbara, dezenove de julho de mil setecentos e setenta e três anos. Sinal de Maria † Nunes Folgada e eu que o escrevi e passei. Antônio Ribeiro da Fonseca.
Receb[i] a conta deste corte em todo tempo de quatro anos, vinte e oito oitavas e um quarto de ouro. Santa Bárbara, dezenove de julho de 1773 anos. Antônio Ribeiro da Fonseca.
E logo disse chamar-se Ana Martins de Macedo, natural e moradora da Praça do Recife de Pernambuco. E disse ser de mais de cinquenta anos de idade.
E, sendo admoestada que para descargo de sua consciência e bom despacho da sua causa confessasse suas culpas, não impondo sobre si nem sobre outrem testemunho falso, porque isso era o que lhe convinha para salvação de sua alma e seu bom despacho.
Disse que ela não tinha culpas algumas que confessar nesta mesa e [que] por ódio e má vontade que lhe tivera [...]pitão José de Barros Pimentel, morador em Porto Calvo, fora presa por ordem do vigário-geral Francisco [...] por se dizer que ela dita Ana Martins se casara segunda vez, sendo seu primeiro marido vivo, o que tudo havia sido falso. Porquanto haveria trinta anos, pouco mais ou menos, que ela dita Ana Martins, sendo solteira, e teria vinte anos de idade, se casou e recebeu em face de igreja na forma do Sagrado Concílio Tridentino com Gonçalo das Neves da Silva, homem do mar, natural de Pernambuco e filho de Domingos Antônio, segundo ouviu dizer, e de Ana Correa, moradores que foram na freguesia do Cabo, em Pernambuco, e na de Porto Calvo, de Nossa Senhora da Mãe de Deus, em presença do pároco chamado João Batista, que lhe administrou o dito Sacramento, dizendo ela declarante que recebia ao dito Gonçalo das Neves da Silva por seu legítimo marido a si como o mandava a Santa Madre Igreja de Roma, dizendo outrossim o dito Gonçalo das Neves que recebia a ela declarante por sua legítima mulher a si, como mandava a Santa Madre Igreja de Roma. E foram seus padrinhos Gaspar Gonçalves, passador de gado e Lianor Pereira, já falecidos, e Antônio da Veiga, compadre dela declarante, e muitas outras pessoas de que em particular não é lembrada. Depois do que se recolheu de portas adentro com o dito Gonçalo das Neves e com ele fez vida marital por espaço de seis anos, de cujo matrimônio teve quatro filhos. E, por causa de ir cobrar certa dívida que se lhe devia por haver servido em Rodelas do rio de São Francisco, se ausentou da companhia dela declarante sem que tornasse para sua casa e companhia dela declarante no decurso de nove ou dez anos passados, em que ela declarante teve notícia ser o dito seu primeiro marido falecido.
Disse mais: que, por ocasião de se lhe certificar vulgarmente ser o dito seu primeiro marido falecido e assim o afirmar Antônio da Veiga, compadre dela, testemunha, passador de gado, morador no rio de São Francisco, e Domingos Jorge, sobrinhos do dito seu marido, Gonçalo das Neves, se dispôs e determinou ajustar segundo casamento com Francisco Carvalho de Souza, sapateiro.
Tras[lad]o da C[onfissão] de Antônia de Barros, cristã-velha. Aos vinte e três dias do mês de agosto de mil e quinhentos e noventa e um anos, nesta cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada, dentro no tempo da graça, Antônia de Barros e, por querer confessar suas culpas, recebeu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão direita sob cargo do qual prometeu dizer em tudo verdade. E disse ser cristã-velha natural de Benavente, de idade de se[t]enta anos, pouco mais ou menos, moradora nesta Bahia, mulher que foi de Álvaro Chaveiro, pescador e barqueiro de Benavente para Lisboa, filha de Diogo Rodrigues Perdigão, dos da governança da dita vila, e de sua mulher, Maria de Barros, defuntos. E, confessando, disse que haveria trinta e dois anos, pouco mais ou menos, que ela veio do Reino degredada pelas Justiças Seculares, por cinco anos para este Brasil, por adultério de que a acusou o dito seu marido. Ela, em Portugal, se amigou ela com um homem cristão-velho chamado Henrique Barbas, filho de Basco Barbas, da gente principal de vila Franca, e com ele se veio para este Brasil e aportaram na capitania. Poucos dias depois de estarem nela, sabendo ela muito bem e o dito Henrique Barbas de como o dito marido, Álvaro Chaveiro, seu legítimo marido ficava vivo em Portugal, se casaram ambos ela confessante com o dito Henrique Barbas. E o dito Henrique Barbas negociou testemunhas falsas que juraram que ele, Henrique Barbas, era solteiro, e que ela confessante era viúva e que viram enterrar e morrer em Benavente ao dito seu marido, Álvaro Chaveiro, sendo isto falsidade e mentira, porque depois de ela confessante estar casada com o dito Henrique Barbas, à porta da igreja, com licença do ordinário, por razão do dito instrumento de testemunhas falsas, depois disso, daí a dois anos, ainda estava vivo em Benavente o dito seu marido, Álvaro Chaveiro, e assim vieram depois novas e recados certos. E que, depois de assim se casar em face da igreja com o dito segundo marido, Henrique Barbas, sendo ela e ele sabedores que o seu legítimo marido, Álvaro Chaveiro, estava vivo, viveram ambos como casados em Porto Seguro mais de quinze anos. E, por ele vir a dar açoites e pancadas e muito má vida a ela confessante, lhe fugiu de casa e se meteu na igreja da vila e começou a declarar e manifestar como o dito Henrique Barbas não era seu marido legítimo, porquanto, quando com ele se casara no dito Porto Seguro era vivo ainda e depois vivera dois anos o seu marido legítimo, Álvaro Chaveiro, e, assim, se afastou dele, o qual ora está na capitania do Espírito Santo, costa deste Brasil, ainda solteiro, e, desta culpa, disse que pedia perdão e misericórdia nesta mesa dentro neste tempo da graça.
E por ela foi dito que ela lhe não lembra culpa que tenha pertencente a esta mesa. Perguntada se viu o primeiro ato solene público que se fez na sé, respondeu que sim. Perguntada se viu nele algum caso em que se sinta culpada, respondeu que não, mas que somente lhe lembra que, ouvindo no dito ato o caso de uma mulher culpada no pecado de sodomia com outras mulheres, ela tratou com seu confessor um caso que lhe acontecera a esse propósito, e ele lhe disse que não tinha necessidade de vir a esta mesa, o qual é o seguinte: que haveria sete ou oito anos, pouco mais ou menos, que em Itaparica, sendo sua hóspede Ana d’Alveloa, da qual ela foi depois comadre, a dita Ana d’Alveloa se veio a lançar com ela na sua rede, sendo ela ré solteira, para dormirem ambas aquela noite. E estando assim ambas, a dita Ana d’Alveloa se abraçou com ela e a apalpou pelas pernas e, abraçada, a apertou muito consigo, e assim a teve um espaço de tempo. E não se lembra ora afirmadamente se se puseram ambas uma em cima da outra, nem lhe lembra se ajuntaram seus vasos naturais, nem se lembra se tiveram a deleitação como de homem com mulher, nem se obraram o pecado de sodomia. Porém lembra-lhe que ela, ré, não teve tenção de fazer o tal pecado, nem ter a tal deleitação torpe, nem intendeu, nem pretendeu fazê-la tal torpeza, nem consenti-la, mas antes ela se enfadou muito de a dita Ana d’Alveloa assim se vir meter com ela na sua rede e abraçar e ter abraçada contra sua vontade, mas porquanto na mesma casa dormiam também, em outras redes, as filhas de Manoel Nunes, lavrador de Itaparica, ela, ré, por não serem sentidas, se calou e deixou a dita Ana d’Alveloa tê-la assim abraçada, e que bem poderia ser que a dita Ana d’Alveloa se poria então em cima dela e debaixo e ajuntariam seus vasos naturais. Porém, que como ela ré não tinha o intento a fazer isso, não lhe lembra ora se o fez pela dita maneira, mas que de tudo o que ela fez, que por esquecimento não declara, ela o há por confessado nesta mesa, porque se lhe lembrara o confessara claramente. E por dizer que mais lhe não lembra, foi logo perguntada pelo senhor visitador se tinha candeia acesa: respondeu que lhe parece que se apagou a candeia. Perguntada quantas vezes fez ela este pecado nefando nos Ilhéus com outras moças, respondeu que não lhe lembra que tal fizesse com nenhuma moça nos Ilhéus, nem em outra parte, e que se ela por ventura fez isso, seria menina de tão pouca idade que por isso ora lhe não lembra nada. Perguntada como se chamam as moças com quem ela fez o dito pecado nos Ilhéus, respondeu que nunca o fez com nenhuma. Perguntada quantas vezes se puseram uma em cima da outra ela e Ana d’Alveloa, como homem com mulher, respondeu que se lembra que a dita Ana d’Alveloa se pôs em cima dela, barriga com barriga, porém não se afirma se ajuntaram seus vasos, e que também poderia ser pôr-se ela de cima da dita Ana d’Alveloa, por se querer defender dela, porém que ela se não alembra ora disso.
Traslado do testemunho de Domingas Jorge, cristã-velha. / Aos vinte e oito dias do mês de janeiro de mil e quinhentos e noventa e quatro anos, nesta vila de Olinda, na capitania de Pernambuco, nas casas da morada do Senhor Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu, sem ser chamada, Domingas Jorge. E, por querer denunciar coisas tocantes ao Santo Ofício, recebeu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão direita sob cargo do qual prometeu dizer em tudo verdade. E disse ser cristã-velha, natural de Monterrei, reino de Galiza, filha de Gaspar Pires e de sua mulher, Luzia Rodrigues, lavradores defuntos, de idade de vinte e oito anos, casada com Paulo d'Abreu, morador em Igarassu. E, denunciando, disse que, haveria nove ou dez anos, que, estando ela presa na cadeia pública desta vila, por amancebada com homem casado, estava também presa Felícia Tourinha, mulata, filha de um clérigo chamado fulano Tourinho, que a houve em uma negra forra, chamada Antônia Vas, por dar uma bofetada a uma mulher honrada na igreja. E um dia à tarde, não lhe lembra qual, a dita Felícia Tourinha tomou uma tesoura e a pregou no meio de um chapim. Então, com ambos os dedos mostradores postos debaixo dos anéis da tesoura, levantou para o chapim e, estando assim, disse as palavras seguintes: diabo guedelhudo, diabo orelhudo, diabo felpudo, tu me digas se vai fulano por tal parte, digo, por tal caminho, (que era um homem do qual queria saber se ia onde ele tinha dito que havia de ir) se isto é verdade tu faças andar isto, se não é verdade não o faças andar. Então a dita tesoura, com o dito chapim, se moveu em meia roda, andando para uma banda. E isto lhe viu fazer uma vez, estando ambas sós, dizendo-lhe que era coisa certa. E ela, denunciante, por lhe ouvir nomear os ditos diabos, se benzeu e disse que não cria naquilo e a repreendeu que não fizesse tal. E depois aconteceu que soube que aquele homem fora àquele lugar que tinha dito. E, por não dizer mais, perguntada mais, disse que a dita mulata está ora nas capitanias de baixo e parece-lhe que será ora de idade de alguns trinta e cinco anos, casada com Gaspar de Paiva, homem branco que não tem ofício e foi criado de Felipe Cavalcante, nesta capitania, e, do costume, disse nada e prometeu ter segredo e, por não saber assinar, eu, notário, a seu rogo, assinei por ela aqui com o Senhor Visitador Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Heitor Furtado de Mendonça. Manoel Francisco. / A qual culpa eu, notário, trasladei bem e fielmente da própria, que fica no quarto livro das denunciações, e a concertei com o senhor Visitador. E, por concordar de verbo ad verbum, assinamos aqui ambos, Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Manoel Francisco.
Aos quatorze dias do mês de dezembro de mil e quinhentos e noventa e dois anos, nesta cidade do Salvador, capitania da Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do Senhor Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sendo chamada Francisca Luís, mulher preta, forra, crioula, da cidade do Porto, casada com Domingos Soares, homem pardo, remendão, ausente, do qual não tem novas se é vivo se morto, vendedeira, moradora nesta cidade. E logo foi admoestada com muita caridade pelo senhor visitador que ela declare e confesse nesta mesa todas suas culpas de toda sua vida pertencentes a ela e que fale a verdade porque isso lhe aproveitará muito para descargo de sua consciência e para seu bom despacho. Respondeu que ela, estando na cidade do Porto haverá quinze anos, morou das portas adentro alguns dois meses com Maria Álvares, tecedeira, mulher que em casa não tinha marido. E depois se foi para outras partes e se veio a esta Bahia na qual, estando haverá treze anos, ouviu dizer a Isabel Antônia que depois de ela ré vinda se diziam no Porto que ela ré que pecara com a dita tecedeira no pecado contra natura, porém que ela ré nesta mesa declara que nunca tal pecado cometeu com a dita tecedeira. E confessou que, haverá treze anos pouco mais ou menos, teve nesta cidade amizade com a dita Isabel Antônia, mulher que não tem marido, moradora nesta cidade, que dizem que veio do Porto degredada por usar o pecado nefando com outras mulheres e, por ela ser sua natural, ela ré agasalhou nesta cidade em sua casa um mês, pouco mais ou menos, no qual tempo pecou com ela o dito pecado nefando algumas três vezes, em diferentes dias pondo-se uma em cima da outra e ajuntando seus corpos e vasos. E isto sem haver mediante outro nenhum instrumento exterior penetrante. E ela ré de si não se lembra se teve comprimento natural que as mulheres costumam nem sabe se o teve a dita cúmplice, porém já por este caso elas ambas foram presas nesta cidade pelo juízo eclesiástico, e ela ré saiu condenada que se saísse fora daqui, mas depois a deixaram ficar aqui e que isto só é o que lhe lembra. Perguntada que mulher é uma pela qual estando ela à sua porta mandou dizer à dita Isabel Antônia que ela a não agravasse e que lhe pedisse quanto houvesse mister e que ela lho daria e que não andasse com outrem e isto a modo de ciúmes, respondeu ela ré que nunca tal recado mandou nem lhe lembra de tal. Perguntada quantos anos há que ela mandou este recado, respondeu que não mandou tal recado. Perguntada onde está ora esta portadora que foi deste recado, respondeu que tal recado não mandou. Foi admoestada outra vez da parte de Deus, nosso senhor, que ela fale a verdade. Respondeu que não tem mais que dizer e, por não saber assinar, eu, notário, a seu rogo, assinei com o Senhor Visitador, Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Manoel Francisco. Mendonça. http://map.prp.usp.br/Corpus/FL/FL.html
Confissão de Guiomar Piçarra, cristã no tempo da graça do recôncavo
Aos seis dias do mês de fevereiro de mil quinhentos e noventa e dois anos, nesta cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada, dentro no tempo da graça, Guiomar Piçarra. E por querer confessar sua culpa recebeu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual prometeu dizer verdade. E disse ser cristã-velha, natural de Moura, em Portugal, filha de Belchior Piçarra e de sua mulher, Maria Rodrigues, já defuntos, casada com Manoel Lopes, lavrador, de idade de trinta e oito anos, moradora em Itaparica. E, confessando-se, disse que, sendo moça de doze ou treze anos, estando moradora no Rio Vermelho, em casa de Antônio Rodrigues Belmeche, estava ali das portas adentro também uma negra de Guiné, ladina, por nome Mécia Alcorcovada, que então seria de idade de dezoito anos. E chegaram ambas a tão desonesta amizade que, duas ou três vezes, em diferentes dias, se ajuntaram ambas em pé uma com a outra, com as fraldas afastadas, abraçando-se e combinando e ajuntando suas naturas e vasos dianteiros um com outro. E assim se deleitavam, como homem com mulher, porém não se alembra nem se afirma se ela confessante cumpriu alguma das ditas vezes, como costuma cumprir a mulher com o homem, nem sabe se a dita Mécia cumpriu. Confessou mais, que haveria cinco ou seis meses, que um dia, à merenda, estando ela em casa de Gaspar Nunes, lavrador, juntamente com Maria Pinheira, mulher de João d’Aguiar, e Maria Nunes, mulher de Gonçalo Gonçalves, lavrador e pescador, e Ana Alveloa, mulher do dito Gaspar Nunes, todas amigas, moradoras e vizinhas em Itaparica, sendo sábado, a dita Ana d’Alveloa mandou vir à merenda um tatu, que é caça do mato, de carne cozido, e todas elas quatro comeram a dita carne no dito sábado, à merenda. Sabendo ser sábado e ela confessante sentia-se mal disposta e disse às outras que aquele dia era sábado, que não se podia comer carne e que ela, por doente, a comeria e, contudo, todas quatro a comeram sem ter necessidade nem desculpa. E das ditas culpas disse que pede perdão e que está muito arrependida e que já as confessou a seus confessores. E foi logo perguntada pelo senhor visitador se sabia ela que o dito ajuntamento carnal entre mulheres é sodomia e que comer carne nos dias proibidos é culpa heretical. Respondeu que não sabia que eram senão pecados mortais, de grande ofensa de Deus, e, sendo mais perguntada, disse que a dita Ana d’Alveloa é mameluca e que a dita Mécia é ora casada com um negro, alfaiate dos padres do colégio, e ela também é alfaiata, moradora nesta cidade. E do costume disse nada, mas é amiga de todas e prometeu ter segredo, e foi-lhe mandado tornar a esta mesa no mês de maio. E, por não saber assinar, eu, notário, a seu rogo assinei com o senhor visitador.
Aos trinta e um dias do mês de janeiro de mil e quinhentos e noventa e quatro anos, nesta vila de Olinda, capitania de Pernambuco, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada dentro no tempo da graça Isabel de Lamas. E, por querer confessar suas culpas, recebeu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs a mão direita sob cargo do qual prometeu dizer em tudo verdade. E disse ser cristã-velha, natural desta capitania, filha de Rodrigo Eanes, mestre de açúcares e lavrador, e de sua mulher, Isabel de Lamas. De idade de dezoito anos, pouco mais ou menos, casada com Francisco Martins Vianes, que não tem ofício e ora é ido ao sertão na companhia dos que vão descobrir o salitre, moradora em casa dos ditos seu pai e mãe em Megaípe de Santo Amaro. E, confessando, disse que, sendo ela de idade de doze anos, casou com o dito Francisco Martins e foram recebidos na Igreja de Santo Antônio, donde então era freguesa. E, por o dito seu marido estar então doente de bouba, não lhe entregaram e, sem terem comunicação, se foi ele para o sertão, onde andou um ano. E depois que do dito sertão veio, que haveria ora quatro anos, lha entregaram e ele a levou para casa de Gaspar Gomes, casado com Maria Rodrigues, na mesma freguesia de Santo Amaro, onde lhe despejaram uma câmara em que se recolhiam e viveram um ano e depois foram viver o mais tempo em uma casa sobre si na fazenda de Maria Lopes, na freguesia de Santo Amaro. E, na primeira noite que ambos se ajuntaram, o dito seu marido a lançou na cama de bruços e se lançou em cima das costas, também de bruços, e meteu seu membro desonesto viril pelo vaso traseiro dela e dentro nele cumpriu e teve polução, fazendo com ela por detrás como se fizera por diante pelo vaso natural, e, assim, efetuou e consumou o pecado nefando de sodomia. E, por ela ser moça, se calou e consentiu que o dito seu marido a penetrasse pelo vaso traseiro e fizesse o dito pecado.
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor, Diz Rita Maria de Cássia, moradora desta cidade ao pé da cadeia, que ela suplicante tem por sua vizinha Joaquina, mulher de Antônio Manoel Pereira. Esta, no dia doze do corrente, de caso pensado [disputara] com a suplicante, só afim de macular a suplicante, e tudo isto motivado de uma grande inveja de uma venda que a suplicante possui. E, finalmente, procurando-lhe todos os meios de lhe fazer mal, no dia onze do corrente, por ir um soldado matar um boi no seu quintal para ir a carne para os Quartéis, logo, imediatamente, teve a constância de mandar dar parte à Justiça, onde lhe foram tomar conhecimento, onde a suplicante saiu condenada em 6.000 réis. Não sendo já a primeira vez e dizendo que pretende [atrasá-la de língua] e o marido estando por tudo isto. Excelentíssimo Senhor, a mulher do suplicando é mesmo acostumada a ser perturbadora da paz, porquanto há tempo que tinha uma pobre preta, de nome Rita, que tinha por sua vizinha, entraram estes pelo quintal e quase a mataram, que logo daí a pouco tempo a morrera. E, tendo esta uma filha de nome Eva, esta o querendo criminar, não foi atendida porque o suplicado já tinha subornado a Justiça. E tudo isto, Excelentíssimo Senhor, pode se informar do cirurgião-mor Joaquim Teobaldo Machado e da dita Eva porque o Cirurgião, em razão de ser quem curou a mãe desta e, por ser público e notório nesta cidade. E o marido, pronto para fazer estes honrosos delitos, e de mais prometendo que lhe há de fazer o mesmo que fez à dita Rita preta, e como a suplicante é uma pobre mulher viúva sem pai nem mãe, Vossa Excelência, como pai dos pobres, pondo os olhos em Deus, seja servido mandar que depois de informado da verdade dar as providências que Vossa Excelência costuma fazer aos malfeitores. Portanto, pede a Vossa Excelência se digne deferir a suplicante com a reta justiça. Receberá mercê.
Averigue e informe o Tenente Coronel Ajudante de Ordens de Semana. São Paulo, 14 de outubro de 1819.
A providencia que dou (depois de bem informado) é recomendar à suplicante que seja mais acautelada e comedida no seu procedimento, [**] atenderei ao [**] seus vizinhos, me representaram e requereram. São Paulo, 15 de outubro de 1819.
Descrição feita a partir de documento digitalizado. O presente conjunto documental é composto por 398 fólios, estando 64 destes em branco. No recto do primeiro fólio, acima da primeira linha, há o código "N3382" escrito em grafite cinza e, logo abaixo, o número "1614", em tinta preta . No canto superior esquerdo do recto da maioria dos fólios, há uma ou duas inscrições indicando a sua numeração. Algumas das inscrições foram feitas em tinta preta, outras em grafite cinza e, no caso das inscrições duplicadas, estas foram escritas tanto em tinta como em grafite. Na margem esquerda do fólio 3v, há um selo de cor vermelha e formato oval, coberto por um retalho de papel. No fólio 29v, abaixo do endereçamento escrito a tinta preta, há três selos de cor vermelha e formato oval, interligados por um fino cordão. Nos fólios 1r, 3r, 30r, 40r, 51r, 56r, 60r, 66r, 99r, 104r, 109r, 115r, 130r, 141r, 149r, 156r, 183r, 187r e 199r, há um carimbo de formato oval em tinta preta com os dizeres "Torre do Tombo: Arquivos Nacionais %" e, em seu centro, uma figura que se assemelha a um escriba sentado a sua mesa de cópia. No centro do fólio 95r, há uma marca d'água cuja filigrana se assemelha a três colunas distribuídas horizontalmente de modo que a coluna ao centro está um pouco acima das outras. No fólio 165r, há a filigrana de um mastro, de ponta cabeça, com uma bandeira hasteada em direção à margem esquerda do fólio, a letra "D" inscrita em seu lado direito e o número "3", no lado esquerdo.
Maria Barbosa, mulata (de cuja vida e costumes constará por os papéis que vão com esta), foi compreendida em graves culpas na visitação que nesta cidade fiz na quaresma de 1610, por razão das quais foi pronunciada a prisão. E indo o meirinho da Igreja para a prender, se ocultou em casa do governador Dom Diogo de Meneses, o qual a favoreceu tanto que não somente impediu o castigo que a Igreja lhe queria dar para emenda sua e exemplo da terra, mas foi causa de per[sever]ar em seus erros com mais liberdade, [...]. Coisa maravilhosa, não havendo causa e, sendo a mulher notoriamente a mais prejudicial e escandalosa que há nestas partes, onde há muitas ruins, acordaram que era agravada, com o que ficou mais segura em seus pecados e mais mimosa do governador, falando com ela publicamente à janela e comunicando ainda, depois de estar excomungada em muitos meses, que nesta forma a teve em casa, com grande escândalo da gente e desprezo das censuras.
E, por estes excessos serem grandes e poder haver novas desordens, se dissimulou com a mulata até que, tornando para sua casa, a mandou o vigário não prender, por não alterar, senão notificar uma vez e outra que se livrasse das culpas que contra ela havia em visitação. E, por não querer aparecer, confiada nos favores certos, depois de passados os termos ordinários, se procedeu à revelia e se deu a sentença que vai nos papéis, a qual se lhe intimou e foi depois declarada pelo cura da Sé com o que não perdeu os favores dantes, antes os teve maiores, trazendo um facalhão grande que desembainhava diante do governador e dizia que com ele havia de matar os oficiais da Igreja que dela quisessem lançar mão, e que não tinha de ver com excomunhões nem com os ministros da Igreja, com outras palavras que, por muito sujas se não põem aqui, nem se escreverão na visitação. [...] Ana de Medina, de idade de trinta e oito anos, a quem o senhor visitador deu juramento, informa. E, perguntada geralmente, disse que Maria Barbosa, mulata, é mulher muito desbocada, em jurar juramentos muito graves. E que já em Angola e em Pernambuco fora penitenciada por isso. E que é mulher que vive mal e que está publicamente infamada com Francisco Carvalho, ajudante. E que ela testemunha o vê entrar aí de ordinário. E que a dita é casada e desonra o marido de cornudo, e o espanca, e o traz pelos matos para ela melhor ficar a sua vontade. E que o amarra ao pé do catre e se dorme diante dele com seus barregãos e diz "comei, cornudo, que, depois que eu comer, comereis o que sobejar". [...] Disse mais, que Maria Barbosa, mulata, mostrou em um alguidar de água a Manoel de Silveira, governador de Angola, sua mulher que estava em Portugual e lhe disse os anos que havia de governar Angola. E assim como ela disse assim aconteceu. E al não disse, nem do costume. E assinei por ela com o senhor visitador. O licenciado Francisco Pereira, o escrevi.
Confissão de Maria Pinheira
Aos seis dias do mês de fevereiro de mil e quinhentos e noventa e dois anos, nesta cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada, dentro no tempo da graça, Maria Pinheira e por querer confessar sua culpa recebeu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual prometeu dizer verdade. E disse ser cristã-velha, segundo lhe parece, natural desta cidade, filha de João Pinheiro, lavrador e de sua mulher, Isabel Dias, defuntos, de idade de trinta e oito anos, casada com João d'Aguiar, lavrador, moradora em Itaparica. E, confessando-se, disse que haveria dois ou três anos, não lhe lembra o certo, que em casa de Gaspar Nunes, tido por cristão-novo em Itaparica, estando juntas Ana d’Alveloa, sua mulher, e Maria Nunes, viúva casada ora com Gonçalo Gonçalves, pescador, e Guiomar Piçarra, casada com Manoel Lopes, todas vizinhas e amigas, mandou vir para merendar a dita Ana d’Alveloa um tatu, que é uma caça do mato, assado de moquém, sendo sábado ou sexta-feira. E todas quatro o comeram sem terem necessidade de comer carne, salvo a dicta Ana d’Alveloa, que estava parida e sangrada. E ouviu dizer que a dita viúva Maria Nunes estava prenha secretamente, sabendo todas que não era dia de carne e dizendo ela confessante que era velhacaria comê-la em tal dia. E disse que da dita culpa pede misericórdia, e, sendo perguntada disse que todas estavam em seu siso e sabiam o que faziam, e que as não viu outrem que lhe lembre. E do costume nada mais prometeu segredo e o seu rogo assinei com o senhor visitador. Manoel Francisco, notário do Santo Ofício nesta visitação, o escrevi. Heitor Furtado de Mendonça Manoel Francisco
Confissão de Maria Álvares, mameluca.
Aos vinte e cinco dias do mês de maio de mil e quinhentos e noventa e três anos, nesta cidade de Salvador, Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada Maria Álvares e, por querer confessar suas culpas, recebeu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão direita sob cargo do qual prometeu dizer verdade em tudo. E disse ser mameluca, natural de Porto Seguro, filha de Diogo Álvares, homem branco e de Catarina Brasila, escrava do dito Diogo Álvares, seu pai. De idade de 40 anos, pouco mais ou menos, casada com Manoel Fernandes, mestre de açúcares, morador na freguesia de Tasuapina. E, confessando, disse que, sendo ela moça de doze anos, se levantou entre os brasis gentios e cristãos desta capitania uma abusão e idolatria entre eles costumada, o que chamam Santidade e, estando ela moradora em casa de Álvaro Gonçalves Ubaca, junto de São Bento desta cidade, os negros brasis, cristãos batizados da dita casa, fizeram também a dita abusão, bailando e saltando e dizendo que vinha o seu Deus e que já era chegado o seu Deus e fazendo outros despropósitos, costumados nesta abusão gentílica. E, ela confessante vendo aquilo, creu com eles naquela abusão, dizendo que cria nela e declarando isto as outras negras que também faziam e criam na dita Santidade, porém, ela não fez as ditas cerimônias de falar e bailar com eles. Porém, estava olhando, crendo na dita abusão e nela creu espaço de dois dias, parecendo-lhe que era verdade o que os ditos negros diziam. E porque o dito Álvaro Gonçalves uma noite, fazendo os ditos negros a dita abusão com grande matinada, foi abaixo e os açoitou e, assim, açoitou a ela, que estava presente, deixou ela, então, de ter a dita crença. E, depois disso, se confessou aos padres da companhia e a absolveram. E foi-lhe declarado pelo visitador que ela confesse sua tenção, se deixou de crer em Deus Nosso Senhor Jesus Cristo e no que crê a Santa Madre Igreja, porque releva declarar isto nesta mesa para se lhe dar remédio a sua alma. Respondeu que nunca deixou de crer em Cristo Nosso Senhor e na lei dos cristãos, mas que nos ditos dias somente creu também juntamente na dita abusão, como moça simples, porém, sempre em seu coração teve a fé de Cristo e disse que da dita culpa pede perdão.
E disse chamar-se Mariana Pequena, preta forra, solteira, de cinquenta anos de idade, não sabe o nome de seus pais, natural de Angola e moradora na cidade do Rio de Janeiro. E logo foi admoestada que, pois tomava tão bom conselho como de querer descarregar sua consciência e confessar suas culpas, lhe convinha muito trazê-las todas à memória e fazer delas uma inteira e verdadeira confissão. E lhe fazem a saber que está obrigada a dizer de todas as pessoas com quem as comunicou e sabe andarem apartadas da fé, ou seja, vivas, mortas, presas, soltas, reconciliadas, parentas ou não parentas, ausentes deste reino ou nele residentes. Não impende a si nem a outrem falso testemunho, porque fazendo o contrário será gravemente castigada, ao que respondeu que só a verdade diria, a qual era que, haveria vinte anos, pouco mais ou menos, na cidade do Rio, em casa de Antônio da Costa, cuja qualidade não sabe, solteiro, mercador, não sabe o nome dos pais, por ser natural deste reino, e morador no Rio de Janeiro, onde faleceu, com quem ela confitente andava em trato ilícito. Se achou com o mesmo e, estando ambos sós, lhe perguntou o dito Antônio da Costa em que Lei vivia e, respondendo-lhe ela, confessante, que na de Cristo [Senhor] Nosso, lhe disse então o mesmo que nela não ia bem encaminhada e que, se queria salvar a sua alma, tivesse crença na Lei de Moisés, porque só nela havia Salvação, e não na de Cristo [Senhor] Nosso. E que, por observância da mesma, fizesse o jejum do dia grande, estando nove sem comer nem beber senão à noite, e que não comesse carne de porco, lebre, coelho nem peixe de pele, e guardasse os sábados de trabalho como se fossem dias santos, e rezasse a oração do Padre Nosso, sem dizer Jesus no fim; porque ele, dito Antônio da Costa, que isto lhe dizia e ensinava, cria e vivia na mesma Lei de Moisés com o dito intento e, por sua observância, fazia as ditas cerimônias. E, parecendo bem a ela confitente o que o mesmo lhe dizia e ensinava e, entendendo que a encaminhava no que mais lhe caminha, para salvação da sua alma, se apartou, então, da Lei de Cristo [Senhor] Nosso, de que já tinha bastante notícia e instrução, e se passou à crença da Lei de Moisés, com intuito de nela se salvar. E, assim, a declarou ao dito Antônio da Costa, dizendo-lhe que ficava crendo e vivendo na dita Lei e que, por sua observância, faria as ditas cerimônias como com efeito fez em algumas ocasiões, e se ficou depois tratando e conhecendo por crente e observante da dita Lei com o dito Antônio da Costa até o tempo de seu falecimento. A crença dos quais erros durou a ela confitente até agora, que iluminada pelo Espírito Santo se resolveu a largá-los, estando arrependida de os haver cometido, e deles pede perdão e que com ela se use de misericórdia.
Processo de Marta Fernandes, mulher parda, presa no cárcere do Santo Ofício.
Traslado da confissão de Marta Fernandes, mulata, na graça.
Aos nove dias do mês de novembro de mil e quinhentos e noventa e três anos, nesta vila de Olinda, capitania de Pernambuco, nas casas da morada do senhor visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sem ser chamada, dentro no tempo da graça, Marta Fernandes, a qual recebeu juramento dos Santos Evangelhos, em que pos sua mão direita sob cargo do qual prometeu dizer em tudo verdade e disse ser cristã-velha, natural da ilha de São Miguel, mulher parda, de idade de trinta e seis anos, alfaiata, moradora nesta vila, na freguesia de São Pedro, filha de Francisco Eanes, lavrador, homem branco, e de sua escrava angola, chamada Isabel, já defunta. E, confessando, disse que haveria vinte anos que na dita ilha foi recebida por palavras de presente com Fernão Gonçalves, trabalhador, por marido e mulher. E os recebeu João de Contreras, Vigário da Vara Eclesiástica, que os recebeu em sua casa de seu senhor dela clérigo, o qual, com outro seu irmão, foram testemunhas e foram recebidos pelo dito vigário, dizendo as palavras do matrimônio de que a Santa Madre Igreja usa. E depois de assim serem casados, o dito sue marido se foi para África na jornada del Rei Dom Sebastião, que Deus tem, depois do qual desbarate ela ouviu dizer que o dito seu marido viera ao reino e que dizia que não havia de tornar à ilha a fazer vida com ela, porquanto ela fizera mal de si. E depois ouviu dizer mais que ele morrera, mas de nada disto teve nunca certeza. E depois se veio ela a esta terra, onde haveria, ora, para a Páscoa que vem três anos que deu testamentos perante o Vigário da Vara, Diogo do Couto, de como ela era solteira e, com isto, sem ela ter certeza do dito seu marido ser morto, se recebeu segunda vez em face de Igreja com André Duarte, homem do mar, com quem ora está casada. E os recebeu dentro na misericórdia desta vila o Padre Diogo de Barbuda, beneficiado da matriz, dizendo as palavras de presente de que a Santa Madre Igreja usa nos matrimônios por mandado do dito Vigário da Vara Eclesiástica. E foi perguntada pelo senhor visitador se este seu segundo marido, quando se casaram, sabia se era ela casada e não fez nova certa da morte de seu marido. Respondeu que este seu segundo marido tem por assim ser o primeiro já morto, e que por isso casou com ela. E perguntada se ela, em sua consciência, quando casou segunda vez, tinha para si ser viúva, respondeu que sim, tinha, e entende ser o dito seu marido morto, pois há vinte anos que dele não tem recado e que tem já tratado este caso com seus confessores espirituais, e que não lhe tem dito que se aparte. E por não o dizer mais e não saber assinar eu, notário, assinei a seu rogo com o senhor visitador aqui. Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Heitor Furtado de Mendonça. Manoel Francisco.
E logo disse chamar-se Páscoa Vieira, preta forra, e foi escrava de Domingas Vieira e de Francisco Álvares Távora, marido da mesma, no Brasil, e o tinha sido, em Massangano, donde é natural, de Domingas Carvalha, viúva de Domingos Carvalho. E, como dito tem, natural de Massangano, no reino de Angola, e moradora na Bahia, estado do Brasil, e disse ser de quarenta anos de idade, pouco mais ou menos. E, por dizer queria confessar suas culpas, foi logo admoestada que, porque tomava tão bom conselho como confessar suas culpas, lhe convinha muito trazê-las todas à memória, declarando inteiramente a verdade de todas elas e a tenção que teve em as cometer, não impondo porém sobre si nem sobre outrem testemunho falso porque, além de não merecer a misericórdia que se costuma conceder aos verdadeiros confitentes, se arrisca muito a ser castigada com todo o rigor de direito. Ao que respondeu que em tudo se acomodaria com a verdade, a qual era que, estando ela, no reino de Angola, sendo já batizada por um padre, lhe parece que era clérigo, na vila da Massangano, reino de Angola, sendo escrava da dita Domingas Carvalha, que já é defunta, foi com outros negros para uma fazenda da dita sua senhora, chamada Quicundo. Foi à dita fazenda um padre capucho e, sentando-se em um banco, mandou chamar a umas negras e negros e, pondo-se todos ao redor dele, lhes mandou se benzessem por outro negro que sabia a língua, pois eles a não entendiam, chamado André, escravo de [uma viúva] chamada Dona Maria, e, tirando o dito padre da manga uma bocetinha em que levava uns anéis, fez que cada um dos pretos com sua preta fossem chegando a ele e metia um anel no dedo da preta e outro no de preto, depois de que os trocava, passando o que tinha o preto no seu dedo para o da preta, e o desta para o de preto, dizendo que os casava. E, desta sorte, casou todos os pretos e pretas da dita fazendo do Quicundo e de outras mais circunvizinhas. E a ela lhe coube casar com um preto de casa chama[do] de Aleixo, com o qual fez vida marital por alguns anos não sabe quantos e dele teve dois filhos. Depois de que, morrendo a dita sua senhora, ficou ela confitente sendo escrava de Pascoal da Mota, genro da mesma, sendo senhor dela confitente, que a vendeu para o Brasil para poder de Francisco Álvares de Távora, que a comprou na Bahia. [...]
Senhor Governador,
Diz Quitéria Maria da Conceição, crioula, escrava de Manoel [Ferreira] de Macedo, que, sendo ela escrava de Maria Barbosa da Conceição, a quem o suplicado executara, apreendeu em penhora a suplicante e [outros] pela quantia de quatrocentos e noventa e sete mil, cento e vinte e sete réis, e arrematando em praça a suplicante por preço de [trezentos] e quarenta mil réis, que tudo consta da primeira certidão, deixou a suplicante tratar da sua vida, e lhe tem dado, por conta de sua [**], duzentos e dez mil réis, como se vê de mesma certidão e recibos de suplicado. E, querendo a suplicante tomar o estado de casada com Inácio Nunes Machado, pardo forro, recorreu a várias pessoas para que falassem ao suplicado, como foram o Reverendo Padre Estevão Gomes, [e os] religiosos e missionários, para que concluíssem o passar [de] carta de liberdade à suplicante. Ao primeiro, respondeu que não era tempo e, ao segundo[*], nunca lhe quis falar, ocultando-se. E, recorrendo a suplicante ao Reverendo Vigário do Outro Preto, a este lhe respondeu que queria fazer a conta, a qual é a que vai dentro da primeira certidão, na qual lhe pede 392.960 réis, querendo que a suplicante lhe satisfaça o produto de toda a execução que o suplicante fazia à referida Maria Barbosa, deixando de arrematar os outros bens penhorados, sendo passados sete ou oito anos, pouco mais ou menos, restando-lhe só à suplicante 187.127 réis, como se vê da mesma certidão, e estes não duvida a suplicante [dar-los] para completar o preço da arrematação, que sai 320.000 réis. E, porque não pode conseguir o estado que [**] de casada sem carta de liberdade, pois o dito seu esposo só espera por esse complemento, razão porque se vale da proteção de Vossa Senhoria, para que se digne [concorrer] para esta obra tão pia [entrepondo] o seu respeito e amparo para que a suplicante consiga do suplicado a liberdade, dando-lhe o resto do produto por que foi arrematada, mandando vir à sua presença para, à vista dos documentos juntos [concluir] a liberdade da suplicante e casar esta com o pardo, que é alfaiate e capaz de a sustentar e livrar a suplicante dos [**] em que vive há tantos anos. Pelo que, pede a Vossa Senhoria seja servido mandar vir o suplicado, que é morador nesta vila, à presença de Vossa Senhoria para concluir [com ele] a liberdade à suplicante, recebendo o resto por que foi arrematada, no que fará Vossa Senhoria muito serviço a Deus e, à suplicante, esmola, pela qual orará a Deus lhe conserve a vida e saúde para amparo da pobreza. Espera receber mercê.
Venha à minha presença. Vila Rica, a 28 de agosto de 1753.