Francisca Luís
Referência bibliográfica
Tribunal do Santo Ofício (TSO). Processo inquisitorial. Salvador, Brasil, 1580. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) - Inquisição de Lisboa, PT/TT/TSO-IL/028/CX1579/13787.Disponível em: http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4510000.
Nomeação no documento
Francisca Luís, mulher preta, forra, crioula, da cidade do Porto, casada com Domingos Soares, homem pardo, remendão, ausente, do qual não tem novas se é vivo se morto, vendedeira, moradora nesta cidade
Descrição do documento
Francisca Luís foi acusada de ter se relacionado sexualmente e morado “portas adentro” com Isabel Antônia, conhecida como "a do veludo”, por possuir um instrumento sexual coberto de veludo. Francisca a acolheu em sua casa por um mês, e foram achadas "deitadas na cama por algumas vezes, de dia e de noite, com portas fechadas com grandes risadas [...]. De dia, quando lhe batia alguma pessoa à porta, [...] Francisca Luís saltava pela janela [...] fora, como foi vista pela vizinhança por muitas vezes [...]". Disse ter morado também com Maria Álvares, tecedeira, mas não ter tido relação carnal com ela. Francisca e Isabel tiveram uma briga por ciúmes presenciada por seus vizinhos, segundo os quais Francisca teria dito: “Velhaca, de quantos beijos dás ao seu coxo e abraços não me darás a mim um, não sabes que quero mais a uma cona que a quantos caralhos aí há”. Ela sabia rezar o Pai Nosso, a Ave Maria e o Credo, e também sabia ler, porém não sabia escrever nem assinar seu próprio nome.
Naturalidade
Porto, Portugal
Termos de caracterização social usados no documento
crioula; negra; preta; forra; vendedeira
Local do documento
Salvador, Brasil
Transcrição parcial
Aos quatorze dias do mês de dezembro de mil e quinhentos e noventa e dois anos, nesta cidade do Salvador, capitania da Bahia de Todos os Santos, nas casas da morada do Senhor Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu sendo chamada Francisca Luís, mulher preta, forra, crioula, da cidade do Porto, casada com Domingos Soares, homem pardo, remendão, ausente, do qual não tem novas se é vivo se morto, vendedeira, moradora nesta cidade. E logo foi admoestada com muita caridade pelo senhor visitador que ela declare e confesse nesta mesa todas suas culpas de toda sua vida pertencentes a ela e que fale a verdade porque isso lhe aproveitará muito para descargo de sua consciência e para seu bom despacho. Respondeu que ela, estando na cidade do Porto haverá quinze anos, morou das portas adentro alguns dois meses com Maria Álvares, tecedeira, mulher que em casa não tinha marido. E depois se foi para outras partes e se veio a esta Bahia na qual, estando haverá treze anos, ouviu dizer a Isabel Antônia que depois de ela ré vinda se diziam no Porto que ela ré que pecara com a dita tecedeira no pecado contra natura, porém que ela ré nesta mesa declara que nunca tal pecado cometeu com a dita tecedeira. E confessou que, haverá treze anos pouco mais ou menos, teve nesta cidade amizade com a dita Isabel Antônia, mulher que não tem marido, moradora nesta cidade, que dizem que veio do Porto degredada por usar o pecado nefando com outras mulheres e, por ela ser sua natural, ela ré agasalhou nesta cidade em sua casa um mês, pouco mais ou menos, no qual tempo pecou com ela o dito pecado nefando algumas três vezes, em diferentes dias pondo-se uma em cima da outra e ajuntando seus corpos e vasos. E isto sem haver mediante outro nenhum instrumento exterior penetrante. E ela ré de si não se lembra se teve comprimento natural que as mulheres costumam nem sabe se o teve a dita cúmplice, porém já por este caso elas ambas foram presas nesta cidade pelo juízo eclesiástico, e ela ré saiu condenada que se saísse fora daqui, mas depois a deixaram ficar aqui e que isto só é o que lhe lembra. Perguntada que mulher é uma pela qual estando ela à sua porta mandou dizer à dita Isabel Antônia que ela a não agravasse e que lhe pedisse quanto houvesse mister e que ela lho daria e que não andasse com outrem e isto a modo de ciúmes, respondeu ela ré que nunca tal recado mandou nem lhe lembra de tal. Perguntada quantos anos há que ela mandou este recado, respondeu que não mandou tal recado. Perguntada onde está ora esta portadora que foi deste recado, respondeu que tal recado não mandou. Foi admoestada outra vez da parte de Deus, nosso senhor, que ela fale a verdade. Respondeu que não tem mais que dizer e, por não saber assinar, eu, notário, a seu rogo, assinei com o Senhor Visitador, Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Manoel Francisco. Mendonça. http://map.prp.usp.br/Corpus/FL/FL.html
Autoria da transcrição
Maria Clara Paixão de Sousa; Vanessa Martins do Monte
Condição de acesso ao documento primário
Documento acessível, digitalizado e editado filologicamente de forma parcial
Descrição material do documento
Descrição feita a partir de documento digitalizado. O processo apresenta 44 fólios em papel, dos quais 6 estão em branco. No recto de todos os fólios, no canto superior direito, há inscrições em grafite cinza indicando o número de cada fólio. No recto do primeiro fólio e no recto do décimo primeiro fólio há o número do processo no arquivo escrito em grafite cinza: "Nº 13787". Nos fólios 1r, 3r, 9r e 23r há um carimbo esmaecido, de formato oval e tinta preta, com os dizeres "Torre do tombo: Arquivos Nacionais %" e, em seu centro, uma figura que se assemelha a um escriba sentado a sua mesa de cópia. No verso do primeiro fólio há uma marca d’água em que se vê uma cruz inscrita no interior de uma forma ovalada, que se assemelha a uma gota invertida ou a um escudo. No verso do vigésimo terceiro fólio há uma marca d'água em que se vê a forma de uma coroa acima de uma luva com franjas no punho e, no seu interior, algo que se assemelha à letra "o" ou a um nó.
Tipo de documento
Processo inquisitorial
Autoria do documento
Tribunal do Santo Ofício (TSO)
Datação cronológica
10/06/1580 a 18/08/1593
Arquivo
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
Indexador na fonte
Inquisição de Lisboa, PT/TT/TSO-IL/028/CX1579/13787
URL da fonte
http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4510000
Trecho de menção na bibliografia
Mas o caso de Paula e Felipa não é o mais rumoroso de que temos notícia com base nos papéis da Inquisição, e sim a conturbada história de Francisca Luiz e Isabel Antônia. Solteira, Isabel já chegara à Bahia, em 1579, pela via do degredo, desterrada, ao que diziam, por pecar com outras mulheres. Infamada no Porto, de onde era natural, também na Bahia de Todos os Santos não tinha boa fama, a julgar por sua extraordinária alcunha: Isabel, “a do veludo”. E não se vá pensar que Isabel era assim chamada por trajar-se de veludo ou por vender roupas deste tecido; acontecia simplesmente que todos sabiam que ela usava um instrumento aveludado em suas relações sexuais. Isabel comprova que as discussões que costumavam ter os inquisidores e doutores da Igreja acerca do uso sacrílego de instrumentos não era mero devaneio de teólogos.
Francisca Luiz, sua parceira, era negra forra que também viera do Porto, abandonada pelo marido, e abrigaria Isabel por algum tempo. Eram amigas no Porto, quando não já amantes, e continuariam a sê-lo na Bahia. O romance parece ter sido muito difícil. Tornou-se motivo de escândalo público, sobretudo depois que Isabel, “a do veludo”, resolveu sair com um homem. Quando ela voltava de um de seus encontros, Francisca Luiz a interpelou na porta da casa onde moravam e começou a gritar: “Velhaca! Quantos beijos dás a seu coxo e abraços não me dás um!? Não sabes que quero mais um cono [vagina] do que quantos caralhos aqui há?!”. Descontrolada, Francisca passou dos insultos às vias de fato, pegando Isabel pelos cabelos e arrastando-a porta adentro com pancadas e bofetões, tudo à vista dos vizinhos.
Fonte da menção na bibliografia
Vainfas, Ronaldo. Homoerotismo feminino e o Santo Ofício. In: Priore, Mary Del, organizadora. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Editora da Unesp; 2004. p. 130.
Referência no DMB
Francisca Luís, 244
Perfil documental
Nomeada em documento primário
Detalhamento do perfil
Nomeada em processo inquisitorial acusada de sodomia feminina
Grafia conservadora do nome
Frca Luis; Frca luis; francisca Luis
Catalogado por
Maria Clara Paixão de Sousa. Elisa Hardt Leitão Motta; Beatriz de Freitas Cardenete; Maria Clara Ramos Morales Crespo; Mariana Lourenço Sturzeneker; Natalia Zacchi; Renata Morais Mesquita; Vanessa Martins do Monte
Acrescentar Isabel da Fonseca ao catálogo.
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