Felícia Tourinha
Referência bibliográfica
Tribunal do Santo Ofício (TSO). Processo inquisitorial. Salvador, Brasil, 1595. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) - PT/TT/TSO-IL/028/01268. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2301155.
Nomeação no documento
Felícia Tourinha, mulher parda
Descrição do documento
Neste processo inquisitorial, Felícia Tourinha foi denunciada por Domingas Jorge e acusada de superstição, feitiçaria e pacto com o demônio. Segundo Domingas, ao estarem a sós na cadeia pública da vila de Olinda, Felícia teria tomado uma tesoura, a pregado "no meio de um chapim" e proferido os seguintes dizeres: "diabo guedelhudo, diabo orelhudo, diabo felpudo, tu me digas se vai fulano por tal caminho (...) se isto é verdade tu faças andar isto, se não é verdade não o faças andar". Felícia foi escusada de penitência pública, repreendida e admoestada a não reincidir. Além disto, foi condenada ao pagamento de dez cruzados mais as custas do processo.
Naturalidade
Porto Seguro, Brasil
Termos de caracterização social usados no documento
parda; mulata; pobre
Local do documento
Brasil
Transcrição parcial
Traslado do testemunho de Domingas Jorge, cristã-velha. / Aos vinte e oito dias do mês de janeiro de mil e quinhentos e noventa e quatro anos, nesta vila de Olinda, na capitania de Pernambuco, nas casas da morada do Senhor Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, perante ele apareceu, sem ser chamada, Domingas Jorge. E, por querer denunciar coisas tocantes ao Santo Ofício, recebeu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão direita sob cargo do qual prometeu dizer em tudo verdade. E disse ser cristã-velha, natural de Monterrei, reino de Galiza, filha de Gaspar Pires e de sua mulher, Luzia Rodrigues, lavradores defuntos, de idade de vinte e oito anos, casada com Paulo d'Abreu, morador em Igarassu. E, denunciando, disse que, haveria nove ou dez anos, que, estando ela presa na cadeia pública desta vila, por amancebada com homem casado, estava também presa Felícia Tourinha, mulata, filha de um clérigo chamado fulano Tourinho, que a houve em uma negra forra, chamada Antônia Vas, por dar uma bofetada a uma mulher honrada na igreja. E um dia à tarde, não lhe lembra qual, a dita Felícia Tourinha tomou uma tesoura e a pregou no meio de um chapim. Então, com ambos os dedos mostradores postos debaixo dos anéis da tesoura, levantou para o chapim e, estando assim, disse as palavras seguintes: diabo guedelhudo, diabo orelhudo, diabo felpudo, tu me digas se vai fulano por tal parte, digo, por tal caminho, (que era um homem do qual queria saber se ia onde ele tinha dito que havia de ir) se isto é verdade tu faças andar isto, se não é verdade não o faças andar. Então a dita tesoura, com o dito chapim, se moveu em meia roda, andando para uma banda. E isto lhe viu fazer uma vez, estando ambas sós, dizendo-lhe que era coisa certa. E ela, denunciante, por lhe ouvir nomear os ditos diabos, se benzeu e disse que não cria naquilo e a repreendeu que não fizesse tal. E depois aconteceu que soube que aquele homem fora àquele lugar que tinha dito. E, por não dizer mais, perguntada mais, disse que a dita mulata está ora nas capitanias de baixo e parece-lhe que será ora de idade de alguns trinta e cinco anos, casada com Gaspar de Paiva, homem branco que não tem ofício e foi criado de Felipe Cavalcante, nesta capitania, e, do costume, disse nada e prometeu ter segredo e, por não saber assinar, eu, notário, a seu rogo, assinei por ela aqui com o Senhor Visitador Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Heitor Furtado de Mendonça. Manoel Francisco. / A qual culpa eu, notário, trasladei bem e fielmente da própria, que fica no quarto livro das denunciações, e a concertei com o senhor Visitador. E, por concordar de verbo ad verbum, assinamos aqui ambos, Manoel Francisco, notário do Santo Ofício, nesta visitação o escrevi. Manoel Francisco.
Autoria da transcrição
Elisa Hardt Leitão Motta. Maria Clara Ramos Morales Crespo; Mariana Lourenço Sturzeneker; Mariana Marques da Silva; Natalia Zacchi; Sofia Tonoli Maniezzo Zani e Vanessa Martins do Monte
Condição de acesso ao documento primário
Documento acessível, digitalizado e editado filologicamente de forma parcial
Descrição material do documento
Descrição feita a partir de documento digitalizado. O processo apresenta 14 fólios escritos. No recto do primeiro fólio, abaixo da primeira linha, há o número do processo, escrito em grafite cinza: "Nº 1268". Na margem esquerda do recto do mesmo fólio, há um carimbo de formato oval e em tinta preta, com os seguintes dizeres: "Torre do tombo: Arquivos Nacionais %". No centro do carimbo há uma imagem que se assemelha a um escriba sentado à sua mesa de cópia. O mesmo carimbo aparece nos seguintes outros fólios: recto do segundo, recto e verso do terceiro, recto do quarto, recto do sétimo, recto do nono, recto do décimo, recto do décimo-primeiro, recto do décimo-segundo, recto do décimo-terceiro e recto do décimo-quarto. No recto do décimo-primeiro fólio há um trecho escrito em outro punho.
Tipo de documento
Processo inquisitorial
Autoria do documento
Tribunal do Santo Ofício (TSO)
Datação cronológica
28/01/1594 a 07/07/1595
Arquivo
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
Indexador na fonte
Inquisição de Lisboa, PT/TT/TSO-IL/028/01268
URL da fonte
http://digitarq.arquivos.pt/DetailsForm.aspx?id=2301155
Trecho de menção na bibliografia
Aparece ainda no século XVI, em Pernambuco, atribuído à mulata Felícia Tourinho, filha de clérigo e presa por esbofetear uma mulher honrada dentro da igreja. Felícia, implicitamente, é estigmatizada pela acusação de Domingas Jorge, autora da queixa contra ela na mesa da Visitação: filha bastarda, infratora punida com a lei, desonesta em relação à mulher que agride, e que é qualificada como honesta. Como se verá muitas vezes no decorrer deste capítulo, estigmatizar mulheres - e, mais raramente, homens - era andar meio caminho no sentido de construir coletivamente um estereótipo de feitiçaria.
Fonte da menção na bibliografia
Mello e Souza, Laura de. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras; 2005. p. 211-212.
Perfil documental
Nomeada em documento primário
Detalhamento do perfil
Nomeada em processo inquisitorial acusada de superstição, feitiçaria e pacto com o demônio
Chave de pesquisa
preta forra
Grafia conservadora do nome
fellícía tourinha; felljcja tourjnha
Catalogado por
Letícia Junqueira Sena Alves. Elisa Hardt Leitão Motta; Maria Clara Ramos Morales Crespo; Mariana Lourenço Sturzeneker; Mariana Marques da Silva; Natalia Zacchi; Sofia Tonoli Maniezzo Zani e Vanessa Martins do Monte
Domingas Jorge tem seu discurso relatado neste processo. / "No dia 28 de janeiro de 1594 na Vila de Olinda, Domingas Jorge, cristã velha, natural de Monte Rei, reino de Galiza, se apresentou perante o visitador Heitor Furtado de Mendonça para denunciar que há 9 ou 10 anos antes, quando estava presa na cadeia pública por estar amancebada com um homem casado, também estava presa Felícia Tourinho, detida por dar uma bofetada em uma mulher honrada dentro de uma Igreja. (...) Retornando ao caso de Felícia, Domingas disse ao inquisidor que um dia viu que Felícia tomou uma tesoura e a empregou em um chapim e com os dedos mostradores postos de baixo dos anéis, a levantou dizendo as palavras: “diabo guedelhudo, diabo orelhudo, diabo felpudo, tu me digas se vai foam2 por tal parte, digo por tal caminho (que era um homem do qual queria saber se ia onde ela tinha dito que havia de ir) se isto é verdade tu faças andar isto, se não é verdade, não o faças andar.” (IANTT, doc. 1268). Depois a denunciante constatou que o tal fulano realmente tinha ido ao tal local." (CRUZ, 2013, pp.66-68)
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