Francisca Maria Antônia Xavier | FMAX_01
Edição modernizada


"FMAX_01" (author: Francisca Maria Antônia Xavier, Desconhecido) [ extensão: full, 707 palavras ]

Senhor Miguel da Cruz Vieira

Não obstante que, pela respeitosa valia do Senhor Capitão Francisco Antônio
Rebelo, fiz uma relatoria do fundamento da dívida de Francisco Ferreira da Silva
e dos pagamentos que lhe fiz, para Vossa Mercê ver que tenho dado tudo o que possuía em
boa espécie e compadecer-se da miséria em que me tem deixado esta
execução, que estou vivendo de esmolas.
Obriga-me a importunar
mais a Vossa Mercê com esta escrita uma carta do sargento-mor Leandro de Souza
Teles, que vendo-a fico sentida do modo com que Vossa Mercê se desvia da promessa
que fez de abater 100$ réis, dizendo se lhe diminuiu o dito 2.038$ réis,
por cuja quantia me fez aquela descomposta penhora, e como somente
ficou em 368$ réis os quero cobrar.
Neste dizer mostra Vossa Mercê estar na mente
que, na conta que se fez, lhe abateram ou furtaram os 650$000 réis,
sem querer capasitar-se que Ventura Alvarez Carmelo estava embolsado
deles, como dos 800$ réis, naquela tal rematasaõ que tinha
feito da fazenda em 21 de fevereiro de 1774 que até ao tempo que Vossa Mercê fez
a penhora, em 6 de dezembro de 1775 vai um ano e dez meses
estava embolsado das ditas quantias que é 8.450$000 réis, porque
fez a rematação, caso que tinha a dúvida na declaração que
o reverendo vigário fez dos 800$ réis.
Devia-se por os 650$000 réis em juízo
e requererem por outros meios enquanto eu não satisfizer
se virem-me a casa, mas acha Vossa Mercê que foi bom fazerem-me
penhora pelo que não devia, inquietando-me todos os meus
acredores, que me estão favorecendo, fazendo-me o benefício
de me ajudar em a viver com a sua fazenda.
E Vossa Mercê
se deve lembrar que lhe disse que todos aqueles bens de que traziam
rol não estavam livres e, se quiser atestações, como pede,
irão de pessoas distintas, e verá a verdade com que lhe falo. E
é escusado mais cristãs para a senhora Dona Brízida pagar, que
eu não tenho com que, e serão as primeiras, pois que nesta execução
não sei tenha pago nenhumas, que se Ventura até200$ réis de gastos
será com outras dependências, antes na rematação da
dita fazenda ( que logo vendeu ) houve sua conveniência, que julgo deve
ser para a Senhora


A Senhora Dona Brízida. Esta senhora diz a Vossa Mercê que tenho peças de ouro e prata,
tive, mas tudo tem voado, e lá tem Vossa Mercê Antônio Ferreira que me comprove
algumas.
E dirá o Carmelo que tem levado muitas em dívida de orfãos
e em 28 anos que Dom João, que Deus tenha em glória, não pode granjear nada
e o terremoto o deixou sem uma camisa, e em uma atual moléstia.
Os gastos que daqui se seguem, e só esta execução leva mais de
seis mil cruzados, que o que mais me dê não dever muita parte
deles.
Seguro a Vossa Mercê, e todos que me conhecem lho hão de
afirmar, que um pedaço de governo e a compaixão dos meus
acredores é que me vale.
Vossa Mercê é tão desumano
que não quis aceitar do sargento-mor Leandro de Souza 250$ réis que, por esmola,
ele e o Reverendo Vigário Lourenço Jozé me sustentam, e juntos com
o Reverendo Coadjutor fizeram o enterro a meu marido, que muito pediu a
seus acredores concorressem para o benefício de sua alma.
Pelo amor
de Deus, compadeça-se Vossa Mercê dele e de mim que, em puxar
pela execução, não há de ser pago com bens alheios e há de
por primeiro o dinheiro em juízo, que faz arrematações, e há de se achar com
meia dúzia de contendas, porque bem lhe segurei que os bens
em que se fazia penhora não estavão livres, enfim lembre-se
Vossa Mercê do que lhe digo.
E já lhe representei naquela relatoria
e fique Vossa Mercê na certeza que, entre todos os meus acredores, é
o que me tem descomposto com uma quantia que eu já não devia há dois
anos que, em vez de Vossa Mercê me satisfazer na pouca atenção nesta
parte, ainda se mostra queixoso de que se lhe diminuiu o dito 1.038$ réis.
Tire da imaginação que não se lhe diminuiu os 650$00 réis, já os
tinham na bolsa desde o tempo daquela rematação da fazenda, com a qual me
tiraram tudo o que tinha na cobrança daquela dívida que com tanto
custo de dispêndio e trabalho tinha chegado aquele estado em que se
remataram.
E ainda me querem esbandalhar o benefício que os meus
acredores me fazem em me deixar ir vivendo com o que é

com o que é seu, nãomaior tirania. A pessoa de Vossa Mercê
guarde Deus muitos anos.
Vila de Sabará, novembro de 1778.

Muito obrigada a vossa mercê,

Dona Francisca Maria Antônia Xavier.


1778
Em novembro
Dona Francisca Antônia Maria Xavier
Escrita a Miguel da Cruz Vieira.