Ana Teresa Salter de Mendonça | ATSM_01
Edição modernizada


"ATSM_01" (author: Ana Teresa Salter de Mendonça, Desconhecido) [ extensão: full, 551 palavras ]

Meu irmão e amante do coração. Neste
correio não tivemos carta sua, poderia ter algum
descaminho.
Desejo a sua saúde como própria,
e que tenha mil felicidades e muito boas notícias da mana.
Sábado partimos daqui, embarcados para
Caminha, para ouvir-mos um missionário que na
verdade é capaz de fazer impressão.
Chegamos
felizmente e fomos descansar nas nossas casas, que
estão alugadas a um boticário.
No domingo fomos
à missão e, na segunda de tarde, vieram as senhoras
da terra visitar-me.
Estando a casa cheia
de gente, o governador da terra, José de ,
irmão de Felix Barreto, que se achava com
toda a sua família, mulher, uma filha e três
filhos, já todos grandes, conversando junto o Gonçalo
Coelho.
De repente lhe caiu nos braços,


uns cinco minutos perdeu a vida, sem
dizer uma só palavra. Julgue agora o que seria
a sua família em acidentes, a terra toda
em lágrimas, a casa quase a cair, pois, com
o peso da gente, arrebentou um frechal.
Todos
consternados, ninguém sabia o partido
que devia tomar.
Enfim, confusão semelhante
nunca nela me achei.
A absolvição
levou-a, se é que a ouviu, porque logo que saiu, morreu.
Ainda se fizerão vários remédios, tudo nada.
A casa especou-se: a mulher e filhos foram para a
sua casa, que saíram pela porta de um pequeno
quintal que temos.
O homem posto sobre
um colchão, estirado, e eu metida em um
quarto muito velho, cercada de gente pasmada,
sem acordo, nem Gonçalo Coelho

assentou-se, que se não devia mudar o defunto
e que havia d'estar 24 horas, porque poderia
ser acidente. Eu me não atrevi a ficar na casa
e aceitei o convite de Fernando Lobo que, com
sua mulher, nos conduziu a todos para a sua casa,
lá dormimos e toda a minha família.
Na terça
embarquei-me para Vila Nova, com a minha gente,
e lá ficou Gonçalo Coelho com dois criados,
na casa do dito Fernando, para fazerem
o enterro, como seu parente, e morto na sua
casa, e nos seus braços.
Esta cena tão triste me
tem desarranjado bastante, e da minha imaginação
se não tira o ver que fui à Caminha para ver
semelhante caso.
Ele é um filho terceiro
ou quarto, sem nada mais que o seu soldo e
uma tença que pôs na filha, de sessenta mil
réis.
Na gazeta vieram vários despachos em

que Luís José vai para Goa, ele isso queria
para se adiantar. Antônio de Brito se viver ajuntará
porque, nos pequenos lugares que teve, tinha junto
dez mil cruzados.
Ajustou o seu casamento antes
de ser despachado com a irmã do capitão-mor
de paz, primo de João Malheiro, senhora de grande
governo e nada feia, mas sem nada de seu.
Fez
as suas escrituras e partiu para Lisboa a esperar
pelo seu despacho, sem fazer nada público, e só
consultando o seu gasto e o dela.
Dizem que se vem
receber, e a leva consigo.
Visitas aos manos
e mande-me Vossa Senhoria as suas notícias, para gosto desta
sua

Irmã e amante e obrigada,

Vila Nova da Cerveira,
28 de maio de 1794.

Ana